15 outubro 2009

PRESENÇA

Aos poucos, a percepção inconsciente foi me ensinando sobre assuntos que não são, aparentemente, relevantes, porém fazem toda a diferença quando se precisa exercitar o ato de viver em situações para as quais inexiste manual de procedimento e nem receita em sites de busca na Internet ou fora dela.
O significado de presença, por exemplo, consegue extrapolar da definição do dicionário e foge acelerado, desde que se queira explicar o seu sentido na realidade do dia a dia.
Presença é aquela companhia invisível que nos fazem os pensamentos quando alçam vôo e escapam ao nosso controle, viajando por onde querem, visitando lugares, abraçando pessoas.
Existe em cada um de nós um recanto, um cofre onde armazenamos tesouros de vivências de ontem e de hoje, também. Tesouros que vencem espaço e tempo porque podem ser vistos, tocados e sentidos.
Aprendi que, na minha mania de fotografar momentos especiais, as imagens que estão nos porta retratos realçam presenças inesquecíveis.
Presença não é antônimo de ausência. Presença é o contrário de vazio.
Pois foi, exatamente, esse ponto de vista que me ajudou a compreender meu sentimento de paz ao organizar as memórias encontradas em manuscritos. Ao ficar órfã, meses atrás, tive que encarar a tarefa de mexer em guardados. Descobri cartas, fotos, documentos. Arquivos de vida dos meus antepassados, de mim mesma, dos meus descendentes. Uma aventura fascinante plena de fortes emoções. Laços de sangue, de risos e de lágrimas. Amores incondicionais.
Daí, o pensamento envereda por outros rumos e fica no ar a pergunta: - E no que se refere ao que está fora desse círculo? Como se lida com a falta da presença do amor condicional? Daquele amor humano que exige troca, recompensa, parceria?
Confesso que silenciei. Parei estagnada sem saber como explicar o que penso a respeito.
Com a prática de associar idéias e puxar pela memória foram chegando, naturalmente, as palavras cantadas pela Adriana Calcanhoto: “Ainda tem o seu perfume pela casa./ Ainda tem você na sala/ Por que meu coração dispara/ Quando tem o seu cheiro dentro de um livro/ Dentro da noite veloz.”
Fechou com tudo. Essa é a desfaçatez do significado da presença. Presença que fica apesar e além da ausência, vencendo desejos, sobrepondo-se a desencontros, suprindo vácuos, dando sentido ao amor que por si só, se basta. Ele existe e, pronto!
E, então, entrou na sala em meio ao alvoroço da minha garimpagem, o Senhor Poeta Fernando Pessoa, dizendo taxativamente: “Penso em ti e dentro de mim estou completo. O amor é uma companhia”.
Fiquei sem fôlego ao mergulhar de cabeça na profundidade de cada frase. Eu não poderia dizer mais e melhor.
Presença é o que se busca na desculpa de se ter companhia porque a ausência nos angustia. O pânico de ficar só anula o raciocínio coerente e nos impede de ver o que a realidade nos fala.
A presença de quem amamos está sempre ao nosso lado. E para arrematar, continua Pessoa a soprar nos meus ouvidos: “Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.”

Nenhum comentário: