23 maio 2010

DESFRAGMENTAR


O computador estava lento, muito devagar mesmo. Arquivos guardados em demasia. Memória sem capacidade para armazenar tantas informações avolumadas e desarrumadas no disco rígido. Fui forçada a iniciar o processo de desfragmentação.

O estranho universo da informática é bem oportuno com seu linguajar típico. Desfragmentar o disco rígido é reorganizar os seus arquivos, de forma que surja mais espaço. Isso acontece porque toda a informação é guardada em pequenos blocos de alguns kilobites. Portanto, mesmo que um arquivo tenha apenas 340 bytes, por exemplo, seu tamanho em disco irá usar um bloco inteiro desses kilobites, pois um único bloco não pode ser ocupado por dois arquivos. Na desfragmentação o sistema busca arquivos que tenham vários blocos incompletos e os coloca em seu devido lugar. Resultado: menos blocos incompletos, mais espaço em disco.

Enquanto eu aguardava o longo e demorado processo de desfragmentação pensei que eu, também, preciso me desfragmentar.

Desfragmentar espaços ociosos que remotos arquivos ocupam sem a mínima necessidade, dentro desse cérebro ativo, que de igual forma, começa a ficar lento pelo acúmulo de memórias, conhecimentos, impressões, sensações e tudo aquilo que a alma vai agregando ao patrimônio mental e vai se tornando pesado de carregar.

É bem provável que nessa “limpa” eu consiga me dilatar, deixar vazios os intervalos entre um e outro arquivo para que novas idéias, pensamentos recentes venham tomar forma e vulto.

O bom aspecto da desfragmentação pessoal é o de que não se apagam lembranças. As lembranças se acomodam no seu devido lugar. É como se a gente colocasse em prática o dito popular: “Cada coisa no seu lugar e um lugar para cada coisa.”

Na verdade, temos o hábito involuntário, muitas vezes, de ir juntando pedacinhos de preocupações, grandes porções de mágoas, pitadas de tristezas, doses de dores, toneladas de frustrações, desenganos, desencantos. Nocivos fragmentos.

Por outro lado conservamos as boas memórias reservadas em tempero de iguarias. Nessas não se toca. Porém, é possível mudá-las de lugar. Tanto que, por serem memórias, podem ser arquivadas por época, por década, por tempo.

Desfragmentar é, nesse caso, esquecer o que não deve ser lembrado. A palavra rude, o gesto bruto e, mais do que tudo, o que não foi dito e o que não foi feito por nós e pelos outros também.

Remorso é um arquivo que prescinde de ocupar qualquer byte ou kilobites que seja. E amargura, então, deve ser o primeiro arquivo da lista no rol do esquecimento.

Desfragmentar-me está sendo uma aventura única. É um “refresh” fantástico. (Peço desculpas por usar uma palavra em outro idioma, mas traduzir perde o sentido). Os blocos clandestinos e vadios estão se compactando. Estou adquirindo mais espaço no disco.

Desfragmento o que, em mim, deixou de ser importante, o que perdeu o sentido, o que alfinetava, corroia, magoava.

Processo lento, como eu disse antes. Muito lento, por sinal. Vale dizer que vale a pena a espera. Desconheço se vou ter êxito até onde possa eu enxergar porque tenho a nítida impressão que vou me desfragmentar até o meu próprio disco rígido pifar de uma vez por todas.

Enquanto houver energia suficiente para permanecer ligada estarei me desfragmentando interiormente, com certeza.

Processo de viver e de sobreviver de acordo com os sinais dos tempos.





Um comentário:

Dulce Miller disse...

Já te falei o quanto gostei deste texto, né? Me senti desfragmentando também...