09 maio 2010

MAMÃE


O beijo na fronte foi suave na despedida. Ela “tombou devagarinho como uma árvore tomba. Não fez sequer barulho por causa da areia” , tal qual o trecho do livro O Pequeno Príncipe de Exupéry.
Ali, naquele momento, me senti mais mãe do que filha. Parecia que eu entregava, docemente num embalo de paz, aquela que me gerara, nos braços do desconhecido mundo do invisível. Ela partiu em silêncio, adormecida.
O meu pranto foi sereno em gemidos quase inaudíveis. Rendição total ao inevitável. Benditas lágrimas que liberam as emoções. Benditas emoções plenas de amor. Bendita a vida que se perpetua em gerações.
As lembranças ficam nos olhando através de fotos, de escritos, de cartas. Memórias preciosas.

Talentosa e premiada poeta, ela deixou um acervo de centenas de manuscritos que, aos poucos, organizo. Descubro a beleza da arte em cada linha, reencontro a sensibilidade de todos os seus sentidos em palavras enlaçadas com maestria.
Desde que lembro de mim mesma, ela esteve comigo. No primeiro choro, na palavra balbuciada, nos passos inaugurais. E, pela vida afora, nos tropeços e vitórias, a sua imagem cara, constante e fiel sempre brilhou como um farol para acompanhar, desde a linha do horizonte, o meu percurso pelas águas da existência.
Nesse dia de hoje dedicado às mães, estou órfã. Não entregarei cartão com flores, nem ouvirei de novo a voz querida. Mas isso não significa tristeza. Aliás, tristeza está fora de cogitação. Triste seria não ter tido a mãe especial que Deus me deu.
E transcrevo aqui, numa homenagem a ela, um poema que sublima a distância e redime a perda.

“Quero lembrar-te, não como uma ausente,
Mas como um ser que sempre está presente
Em cada instante desse meu viver;

No sorriso emotivo e cativante,
Que sempre admirei no teu semblante
E que jamais na vida hei de esquecer!

Quero lembrar-te, mais que com saudade,
Na esperança da felicidade
Que sentirei ao te reencontrar;

Se faltar muito tempo, não importa,
Nós duas teremos sempre aberta a porta
Para voltarmos a nos abraçar.

Por ironia, ela é a autora do que eu gostaria de ter criado. Ela se perpetua nas linhas que redigiu e continua a me falar palavras de sabedoria e de consolo.
Talvez, muitos dos meus leitores agora descubram por que escrevo, por que tenho encravada em mim essa intimidade com as palavras.
Herança. A melhor herança. Aquela que o tempo aprimora e faz brotar flores e frutos. Aquela que se revigora a cada dia porque descende de uma sensibilidade passada através do cordão umbilical.
O tributo maior de que sou capaz é o de persistir em escrever para, de uma maneira muito intimista, abraçar a minha mãe. Pois, como ela mesma escreveu: “Mãe! Há uma eterna verdade em dizer que és imortal;/ é quando se diz que o Amor Divino em alguém se encerra;/ sem dúvida é no calor de uma mãe aqui na Terra!” ( Maria Theresinha Boscacci de Carvalho)

3 comentários:

Dulce Miller disse...

Já disse o quanto gostei deste texto, né? Mas não custa repetir, é lindo!
Por ironia do destino, minha mãe continua bem viva e longe de mim a vida inteira, mora em SC desde que me entendo por gente e na verdade, nunca se importou comigo... Sinto saudades imensas do que eu nunca vivi ao lado dela, dos conselhos que eu precisei, enfim, da simples presença.
Talvez por isto eu ainda me sinta uma criança, de vez em quando... ehehehe

Beijos minha mais nova amiga querida, feliz dia das mães pra ti!

ARTweestic disse...

Que maravilha! Que amor profundo expressas nesta crónica à Mamãe! Ela, com certeza leu palavra por palavra... Ponto por ponto... Sem dúvida acariciando o teu coração enquanto criastes, na minha opinião, uma das maiores crônicas que já escrevestes! Esta foi embalada pela forma mas pura do amor - o amor completo - o amor de Mãe!
Aqui seguimos, as duas órfãs como expressastes... e distante.. e longe uma da outra.. mas embora longe.. muito longe.. somos unidas eternamente e profundamente pelo amor que nos gerou! Bjs mil, Verinha

Anônimo disse...

Eu, como filho e neto desta linda história... apenas transcrevo a minha felicidade e emoção por ter participado deste laço de amor.

Crônica FANTÁSTICA!!!

Grande beijo minha mãe querida.

Ricardo Estrella.