25 agosto 2013

A OUTRA


          Atravessei a rua e a calçada, que me esperava do outro lado, tinha um ar de calçada da minha infância. As árvores perfiladas exibiam ramos viçosos entremeando a alameda com sombras e luzes.
          Comecei a conversar comigo mesma, ou com a outra que me ouve, me interroga, me responde desde sempre. Aquela que me acompanha como testemunha parceira do que sinto.
         Falei das árvores, do formato das casas, da quietude das janelas ainda fechadas. Comentei sobre os possíveis segredos das muitas histórias que cada porta guardava e segui, absorvendo do cenário todo detalhe que não escapava ao meu olhar e a minha imaginação.
          Conversei, conversei muito.  E não estava “falando sozinha”.  Estava trocando idéias e impressões com alguém dentro de mim.  Um alguém que faz parte da minha história desde muito longe.   Um alguém que discorda, argumenta, silencia, que consola, que acompanha.  É isso! Um alguém que é cúmplice.

          Porque penso que “conversar com os meus botões” não é apenas uma maneira de dizer que a gente está de papo com os pensamentos.  Eu acredito que “os botões” são essa outra parte de nós mesmos que está sempre ali junto, que acorda e dorme conosco e dá palpites, sugestões, faz críticas.
          Daí, não dá para dizer que a solidão existe.
          O que acontece é que, muitas vezes, cansamos de nós próprios e nos abandonamos. E a solidão chega para substituir a nossa falta de conversa com os nossos botões-pensamentos.
          E nessa conversa que eu estava tendo com a “outra”, ouvi uma observação interessante que ela fez: - Tu gostas de ruas cheias de árvores.  Concordei.  Depois, ela perguntou: - Por quê?    E me vi procurando a resposta (para essa “outra” a resposta tem que ser completa; não basta um sim ou um não).   Mas tive que ser absolutamente sincera e arrisquei: - Não sei.  Pode ser saudade de um tempo em que as ruas tinham mais árvores. Ela se satisfez e silenciou.
          Na verdade, temos sempre a companhia desse outro alguém que vive em nós. É como se a alma tivesse uma irmã gêmea.
          Hoje entendo bem a expressão e a postura que eu via, quando menina, em certos adultos, que pareciam estar meditando numa silenciosa troca de idéias com um alguém que eu não enxergava.  E toda a vez que eu perguntava sobre tal silêncio, ouvia sempre a mesma resposta: - Estou conversando com os meus botões. Parecia-me, então, que os botões era uma espécie de conselheiros invisíveis e não, meros habitantes da caixa de costura. Deviam ser outros botões.
         Bem, o tempo foi passando e eu, também, passei a ter esses silenciosos momentos comigo mesma. E dessas conversas constantes com os meus botões é que, muitas vezes, me vem a vontade de escrever, de escancarar a imaginação e poder encontrar com os “teus botões”, me identificar com o que pensas e sentes.
          Aqui, nesse espaço dominical do jornal Diário Popular, que é o mais antigo do Rio Grande do Sul e comemora, nesse mês, mais um aniversário com júbilo, uma rede invisível nos entrelaça e permite um encontro de pensamentos e de emoções.  Quase os mesmos que temos quando estamos a sós com os “nossos botões”.


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