12 junho 2016

DO NAMORO

DO NAMORO
Maria Alice Estrella


         Namoro é sentimento sendo alinhavado pelas bordas e bandas do coração. É um momento que exige cuidados e atenção de quem conduz a agulha e que une, com linha invisível, dois personagens distintos e, ao mesmo tempo, tão similares. 
         E, trata-se de alinhavo, pois é descoberta, é estabelecimento de limites e fronteiras, é ocupação de território conquistado.
         Enamorado é aquele que entra de pés descalços, porta adentro da alma; olha intensamente e, sem pressa, pelo lado avesso; segura a emoção com as mãos firmes do amor espalha pétalas de ternura por onde passa e convive, cuidadosamente, com os espinhos inevitáveis.

         Quando se avizinha o dia dos namorados, inevitavelmente, vem a minha lembrança os versos de Paul Geráldy em seu precioso livro “Tu e eu”, traduzido por Guilherme de Almeida.  É uma leitura quase que obrigatória para todos os enamorados.   E ao citá-la, volto no tempo.  Meus pais se namoraram ao sabor desses poemas e é com muito carinho que me sinto filha desse imenso afeto, compartilhado com poemas de um francês “expert” em namoro. Ademais, romantismo nunca é demais.
          Num deles, se recordo bem, há uma imagem contundente, construída por palavras que todos os namorados entendem e gostariam de fazê-las suas, em qualquer época: _ “Eu gosto, gosto de você! /Compreende? Eu tenho por você uma doidice... /Falo, falo, nem sei o quê, /Mas gosto, gosto de você/Você ouviu bem isso que eu disse?... /Você ri? Eu pareço um louco? /Mas que fazer para explicar isso direito, /para que você sinta?... O que eu digo é tão oco! /Eu procuro, procuro um jeito... /Não é exato que o beijo só pode bastar. /Qualquer coisa que me afoga entre soluços e ais. /É preciso exprimir, traduzir, explicar... /Ninguém sente senão o que soube falar. /Vive-se de palavras, nada mais. /Mas é preciso que eu consiga/essas palavras e que eu diga, /e você saiba...Mas o quê?/Se eu soubesse falar como um poeta que sente,/-diga! – diria eu mais do que/quando tomo entre as mãos essa cabeça linda/e cem, mil vezes, loucamente,/digo e repito e torno a repetir ainda:/Você!  Você!  Você!  Você!...”
           E um pouco mais: _ “Não desejemos o impossível. /Devemos estar contentes/de ser quem somos, simplesmente/ namorados intermitentes/ se namorando vez em quando. /É já uma grande coisa a gente ser dois, à parte, entre os mortais. /Dois que se bastam mutuamente e não se aborrecem demais”.
           Com os enamorados de cada dia, divido esses trechos amorosos, lembrando que alinhavar sentimentos é fácil.  Costurá-los é tarefa árdua que requer conservação, manutenção.  Coisa muito rara e, na maior parte das vivências, impossível de concretizar.
          Somos um povo bastante sentimental e emocional.  Elaboramos um figurino de sonhos, escolhemos o tecido e alinhavamos o modelo, sob intenso entusiasmo.  Construímos, até, boas e belas edificações.  Mas, de manutenção e conservação, ainda, entendemos pouco e, os alinhavos, muitas vezes, não se transformam em costuras e acabam por se desfazer.
         E o poeta Quintana sabia muito sobre isso: “E nada vibrou. /Não se ouviu nada. / Nada. / Mas o cristal nunca mais deu o mesmo som. / Cuidado, amiga! / Cala, amigo! / uma palavra só pode por tudo/ a perder para sempre/ e é tão puro o silêncio agora!”
         De canções, de lágrimas, de silêncios, de surpresas, de esperas e de sonhos são feitos os namoros.  Alguns passam do alinhavo à costura.  Outros tantos, não.  As razões e os motivos, de uma e de outra situação, são as mesmas de sempre, não importa o correr do tempo, nem as mudanças de hábitos das novas gerações. O que vale é o estado delicioso da mente, do corpo e do espírito quando se deixam envolver pelas linhas do destino no momentâneo do agora.
          Namorar é preciso.  Quanto mais não seja, namorar a vida em toda a sua plenitude e com todo o seu encantamento.


(Foto: Neneca Barbosa)

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