DO NAMORO
Maria Alice Estrella
Namoro é sentimento sendo alinhavado
pelas bordas e bandas do coração. É um momento que exige cuidados e atenção de
quem conduz a agulha e que une, com linha invisível, dois personagens distintos
e, ao mesmo tempo, tão similares.
E, trata-se de alinhavo, pois é
descoberta, é estabelecimento de limites e fronteiras, é ocupação de território
conquistado.
Enamorado é aquele que entra de pés
descalços, porta adentro da alma; olha intensamente e, sem pressa, pelo lado
avesso; segura a emoção com as mãos firmes do amor espalha pétalas de ternura
por onde passa e convive, cuidadosamente, com os espinhos inevitáveis.
Quando se avizinha o dia dos
namorados, inevitavelmente, vem a minha lembrança os versos de Paul Geráldy em
seu precioso livro “Tu e eu”, traduzido por Guilherme de Almeida. É uma leitura quase que obrigatória para
todos os enamorados. E ao citá-la,
volto no tempo. Meus pais se namoraram
ao sabor desses poemas e é com muito carinho que me sinto filha desse imenso
afeto, compartilhado com poemas de um francês “expert” em namoro. Ademais,
romantismo nunca é demais.
Num deles, se recordo bem, há uma
imagem contundente, construída por palavras que todos os namorados entendem e
gostariam de fazê-las suas, em qualquer época: _ “Eu gosto, gosto de você! /Compreende? Eu tenho por você uma doidice...
/Falo, falo, nem sei o quê, /Mas gosto, gosto de você/Você ouviu bem isso que
eu disse?... /Você ri? Eu pareço um louco? /Mas que fazer para explicar isso
direito, /para que você sinta?... O que eu digo é tão oco! /Eu procuro, procuro
um jeito... /Não é exato que o beijo só pode bastar. /Qualquer coisa que me
afoga entre soluços e ais. /É preciso exprimir, traduzir, explicar... /Ninguém
sente senão o que soube falar. /Vive-se de palavras, nada mais. /Mas é preciso
que eu consiga/essas palavras e que eu diga, /e você saiba...Mas o quê?/Se eu
soubesse falar como um poeta que sente,/-diga! – diria eu mais do que/quando
tomo entre as mãos essa cabeça linda/e cem, mil vezes, loucamente,/digo e
repito e torno a repetir ainda:/Você!
Você! Você! Você!...”
E um pouco mais: _ “Não desejemos o impossível. /Devemos estar
contentes/de ser quem somos, simplesmente/ namorados intermitentes/ se
namorando vez em quando. /É já uma grande coisa a gente ser dois, à parte,
entre os mortais. /Dois que se bastam mutuamente e não se aborrecem demais”.
Com os enamorados de cada dia,
divido esses trechos amorosos, lembrando que alinhavar sentimentos é
fácil. Costurá-los é tarefa árdua que
requer conservação, manutenção. Coisa
muito rara e, na maior parte das vivências, impossível de concretizar.
Somos um povo bastante sentimental e
emocional. Elaboramos um figurino de
sonhos, escolhemos o tecido e alinhavamos o modelo, sob intenso
entusiasmo. Construímos, até, boas e
belas edificações. Mas, de manutenção e
conservação, ainda, entendemos pouco e, os alinhavos, muitas vezes, não se
transformam em costuras e acabam por se desfazer.
E o poeta Quintana sabia muito sobre
isso: “E nada vibrou. /Não se ouviu nada.
/ Nada. / Mas o cristal nunca mais deu o mesmo som. / Cuidado, amiga! / Cala,
amigo! / uma palavra só pode por tudo/ a perder para sempre/ e é tão puro o
silêncio agora!”
De canções, de lágrimas, de silêncios,
de surpresas, de esperas e de sonhos são feitos os namoros. Alguns passam do alinhavo à costura. Outros tantos, não. As razões e os motivos, de uma e de outra
situação, são as mesmas de sempre, não importa o correr do tempo, nem as
mudanças de hábitos das novas gerações. O que vale é o estado delicioso da
mente, do corpo e do espírito quando se deixam envolver pelas linhas do destino
no momentâneo do agora.
Namorar é preciso. Quanto mais não seja, namorar a vida em toda
a sua plenitude e com todo o seu encantamento.
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