05 maio 2008

IMPESSOAL

Num tempo não muito distante, um dos meus hábitos favoritos era abrir a caixa de correspondência na expectativa de ter recebido cartas. Cartas escritas à mão em folhas leves de papel, que eram dobradas e colocadas em envelope que, logo depois, se levava a uma agência dos Correios onde era pesado, selado e carimbado com a data. Cartas que demoravam a chegar, mas que traziam um encantamento diferenciado envolto nos mistérios do tempo. Cartas com relatos do cotidiano, cartas confidenciando assuntos pessoais, cartas de desabafo, de partilha e até, cartas curtas, simples, mas plenas de calor humano porque impregnadas de afeto tangível e perceptível através dos detalhes da letra escrita de próprio punho e, portanto, única e exclusiva.
Atualmente, não chegam mais cartas assim. O que encontro na caixa de correio da minha casa, são envelopes contendo contas a pagar, propagandas, extratos bancários.
Em compensação, com o advento da informática, adquiri uma outra espécie de caixa para correspondência. Uma caixa eletrônica. Um correio eletrônico. O tal de e-mail.
As cartas, que recebo e que envio, se transformaram. Tudo é muito mais veloz. É só clicar uma tecla e a carta se transporta, instantaneamente, do remetente ao destinatário.
E como uma coisa puxa outra, nessa tendência que tem o ser humano de se acomodar e relaxar, as cartas passaram a ser bilhetes dedilhados numa extrema economia de letras. Está surgindo uma nova linguagem eletrônica e, muitas vezes, dá a impressão de que a reforma ortográfica do Português já se instituiu. Confesso que tenho dificuldade de reconhecer a grafia de alguns recados.
No meu caso, constato que fui perdendo a vontade de escrever e-mails com características de carta, daquelas cartas de antigamente. Escasseio palavras, diminuo textos. Deixei de partilhar meu dia-a-dia, abandonei desabafos e confidências. De tão prolixa no escrever, me tornei concisa demais para o meu gosto.
Na verdade, compactei minhas possibilidades de comunicação e, paralelamente, fechei muitos canais de irrigação. Esses canais por onde verte a água que alimenta a terra do coração.
Tenho cometido a indelicadeza de, constante e sucessivamente, me valer dos recursos da Internet e reenviar mensagens sem qualquer toque pessoal, além do desejo de compartilhar a beleza, a poesia, a cultura, a fotografia ou a música. Tais mensagens são, na sua maioria, muito interessantes, sem dúvida. Porém, ficam esvaziadas do seu sentido maior, no momento em que, simplesmente, as passo adiante sem escrever um recado ou deixar a minha marca nelas.
Foi pensando nisso que, num ato de contrição, decidi escrever uma carta particular para cada um dos meus amigos. Vou tentar retomar o velho hábito de escrever cartas de verdade. Cartas remetidas via e-mail, mas cartas que comuniquem o que estou sentindo, que transmitam o momento que estou vivendo, que falem das alegrias e das angústias, do sucesso e dos medos, da lágrima e da tristeza, do encontro e do reencontro dos sentimentos que valem ficar registrados, mesmo que numa página eletrônica.
Tudo é questão de evolução. Antes as cartas podiam ser rasgadas. Agora, podem ser deletadas. Meros detalhes.
Incontestável é que cartas devem ser escritas ainda e sempre com o toque pessoal num tributo ao querer bem.

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