01 setembro 2008

HOSPEDARIA


“Eu sou muito apaixonada pelas pessoas queridas que passam ou que ficam na minha vida.” Alguém a quem prezo demais, escreveu essa frase e a enviou numa mensagem. Foi o bastante para que se desencadeassem, em meus pensamentos, imagens sucessivas e intermitentes de um filme gravado na memória.
Viajei no tempo. Fiz inúmeras escalas. Andei por vários lugares. Revi rostos e silhuetas, reacendendo emoções. Foi como folhear um álbum de fotografias.
Acabei por fazer uma analogia da minha alma com uma hospedaria, dessas rústicas e modestas pousadas para peregrinos, onde hóspedes chegam com bastante bagagem ou de mãos vazias. Alguns se demoram por um tempo, outros partem rápidos porque só vieram de passagem. E há os que permanecem e vão ficando sem pressa de ir embora.
De acordo com os que pensam que tudo acontece por uma razão ou que nada acontece por acaso, começo a me convencer de que foi proposital cada chegada, toda partida, qualquer permanência nessa minha alma de portas e janelas.
As chegadas ficam registradas como acontecimentos plenos de novidades. Incógnitas que se instalam num estalar de dedos.
As partidas refletem um opaco sinal de “nunca mais” no espelho do tempo. E desconcertante é concluir que as pessoas queridas que passaram pelas nossas vidas, esqueceram de levar consigo parte delas e esses detalhes esquecidos continuam presentes num perfume, numa foto, numa folha de papel, numa lembrança insistente. Deixaram seus pertences e partiram como se o adeus não tivesse sido definitivo, como se houvesse a possibilidade de um retorno.
Tem gente que passa e tem gente que fica. Bendita seqüência e conseqüência.
O verbo passar é uma gangorra. Oscila entre o efêmero e o perpétuo. Quem passou já não mais está; permanece, no entanto, o registro dessa passagem.
O verbo ficar é verbo de ligação. Ficam os que arriscam, os que acreditam, os que confiam. Ficam os que fazem a diferença porque, ao se modificarem a cada dia, não perdem a constância do estar perto, do ficar junto. (Não me refiro aqui ao conceito moderno com que é empregado o verbo ficar, sinônimo de transitoriedade)
Na hospedaria das minhas afeições, mantenho uma lamparina acesa e a porta entreaberta. Através da janela podem ser vistos os retratos dos que passam e na volta da mesa, a silhueta dos que ficam. Pois, na realidade, de certa forma, sob determinado ponto de vista, todos os que passam, ficam.

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