06 dezembro 2008

AVESSO



Um dos poemas que escrevi foi citado por alguém numa roda de conversas ao entardecer em plena Feira do Livro, onde as letras se reúnem para encanto de todos.
Fui buscá-lo em meus arquivos para relê-lo porque tenho grande dificuldade em memorizar as minhas poesias. Depois que as escrevo, as guardo em algum desconhecido compartimento e chego até a esquecê-las. Ingrata que sou comigo mesma.
Pois aqui segue o poema:
O avesso da chegada não é a partida, é a separação.
O avesso da presença não é a ausência, é a saudade.
O avesso da solidão não é a companhia, é a partilha.
O avesso do longe não é o perto, é o junto.
O avesso da luz não é a sombra, é o opaco.
O avesso do nunca não é o sempre, é o contínuo.
O avesso do provisório não é o duradouro, é o permanente.
O avesso da distância não é a proximidade, é constância.
O avesso da lágrima não é o riso, é a estiagem.
O avesso de mim não é a face no espelho, é o rosto transparente.
O avesso de mim não é a lembrança do que não fui, é a certeza do que serei.
O avesso de mim são as memórias costuradas do lado de dentro da pele.
O avesso nada mais é do que o outro lado da moeda. O reverso da medalha.
Tudo aquilo que se vai coletando e colecionando. Os sentimentos, os momentos, as experiências, as paisagens, o dia-a-dia vivido na rotina e no sobressalto. Tudo compõe o negativo da foto que só revelamos a nós mesmos. O avesso da costura invisível que confeccionamos com linha e agulha, com suavidade e aspereza. Porque muitos dos avessos são feitos de risos e de lágrimas numa concomitância imprevisível e desconcertante.
Já ouvi falar que, muitas vezes, é impossível diferenciar o lado avesso do direito, de tão bem feitas foram as costuras e o acabamento. Isso, em se tratando de variados tecidos. No que diz respeito à pele, fico temerosa em fazer a mesma colocação.
Comumente, no avesso da pele ficam imperceptíveis os pespontos, mas há cicatrizes tantas, impossíveis de esconder.
Por fora ninguém percebe que no avesso há silêncios e solidão, pois só ousamos despir a pele para nós mesmos no indevassável espaço onde é proibida a entrada de estranhos ou conhecidos. E no fundo somos todos avessos solitários, ostentando, na superfície, sorrisos em máscaras de disfarces como se a vida fosse um baile à fantasia.
E isso se deve a capacidade que a maioria dos mortais possui. A tenacidade de enfrentar o revés, a adversidade, o outro lado de cada situação, transformando em traje de gala, os farrapos que estão no avesso
.

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