01 maio 2009

ALGODÃO ENTRE CRISTAIS

Cresci ouvindo essa frase:- “Muitas vezes, precisamos ser como algodão entre cristais”. Referindo-se ao melhor e mais eficiente modo de embalar cristais, a sábia senhora aplicava a forma figurada às situações de foro íntimo. Ou seja, do seu ponto de vista, deveríamos agir como algodão entre cristais nas questões delicadas do convívio humano.
Devo ter introjetado de tal maneira essa perspectiva em minhas vivências que reconheço, em muitas das minhas posturas, a similaridade. Contorno com suavidade os delicados sentimentos dos que amo como se pudesse, assim, evitar solavancos, choques, ranhuras. E como se eu não fosse feita de cristal também.
Acho que desde menina comecei a me sentir responsável por incumbências, nem sei vindas de onde, que foram surgindo no dia-a-dia e me postei como guardiã zelosa dos relacionamentos ao meu redor por minha conta e risco.
De lá para cá, desenvolvi um mecanismo da mais genuína diplomacia que é de causar inveja a muitos embaixadores. E assim o afirmo, parecendo faltar com a modéstia, porém, ser “algodão entre os cristais” é tarefa ingrata. Exige olhos, ouvidos e coração atentos. Não se pode cochilar, pestanejar porque qualquer vacilada pode trincar o querer bem.
Imagino sempre uma caixa repleta de cálices de puro cristal envoltos em chumaços de branco algodão quando esbarro em um momento de desencanto de um ente querido. Tento amortecer a queda.
É mais do que óbvio que o inevitável acontece, que o desagradável ocorre mesmo com uma quantidade maciça de “algodão”.
Nos relacionamentos afetivos, ser algodão é amaciar os rompantes, atenuar as crises de insegurança, envolver, apaziguar, acariciar, proteger e, principalmente, silenciar.
As linhas tênues dos afetos sensíveis ao toque, necessitam de amparo. Uma palavra, um gesto podem por tudo a perder para sempre, como escreveu Quintana em um de seus poemas, intitulado Canção de vidro: “E nada vibrou./Não se ouviu nada./Nada./ Mas o cristal nunca mais deu o mesmo som./Cuidado, amiga/Cala, amigo/ Uma palavra só pode por tudo a perder para sempre/ E é tão puro o silêncio agora.”
Tantas foram as ocasiões na vida de cada um, em que se rompeu o silêncio e se estilhaçou o cálice. E que vontade de poder voltar atrás para tentar colar os pedacinhos de vidro, mesmo sabendo do irrealizável intento.
Depois de partido, impossível refazer o cristal. Depois de despedaçada, improvável refazer a relação amorosa.
Então pois, tratemos de ser algodão entre os cristais dos amores que nos cercam para a preservação do bom e do belo no ato de conviver.

2 comentários:

josiani disse...

Lindo e delicado como algodao...as palavras deste texto.
Sinto-me assim, procuro pensar muito antes de falar, pois depois de dita, a palavra nao volta atras, e depois de se magoar alguém, mesmo que perdoado nada será como antes, assim como o cristal quebrado nao se cola mais.
Obrigada Maria Alice, pequeno porém muito rico o seu texto.

josiani disse...

As palavras deste texto sao delicadas como o algodao...
Procuro agir assim com as pessoas,ter cuidado com as palavras,porque depois de ditas nao tem como voltar atras, é como o cristal, se quebrado nao tem como colar.
Obrigada a autora do texto, gostei muito.
Josiani Cristine Peruzzi