28 abril 2010

A MELHOR FATIA DO BOLO

Conversamos por algumas horas e o tempo não parecia estar constrangido pelo relógio. O tempo libertou-se das comportas do espaço e estendeu seus ponteiros para além da estabelecida marca de segundos e minutos. Foi uma eternidade cifrada em momentos únicos. Assim são os encontros transparentes com pessoas transparentes.
Demorei alguns anos, a custa de muitos enganos, a perceber a enorme distância que existe entre o transparente e o opaco. Errei bastante ao buscar o translúcido nos seres humanos com quem cruzei durante o meu percurso. Era, para mim, suficientemente claro, que ser transparente estava diretamente ligado ao fato de estar viva. Porém fui descobrindo, aos poucos, o contrário. A maioria das pessoas sobrevive no opaco. As reticências são mais usuais do que o ponto de exclamação.
A realidade é visível e vem à luz de uma maneira ou de outra. Por que, então, escondê-la por detrás de um véu?

O opaco não permite que o sol adentre pela alma. Torna denso, escuro, turvo o ambiente em que habita.
Assim se explica a razão dos corações andarem em busca da semente do amor e esbarrarem em constantes frustrações na insatisfação do desejo de vê-la brotando dentro de si. Esquecem que, para tal, precisam ser translúcidos.
Ser transparente é o resultado de um exercício. O exercício de ser valente, de encarar a vida nos olhos, sem medo de ser magoado.
Pois, sofrer é não ser passível de amar e de ser amado, sofrer é não dar chance ao erro e ao acerto, é não ser capaz de ir em busca, é ser incapaz de encontrar. Sofrer é não sair da concha, prisão do medo.
O pânico de sofrer fez dos humanos um exército de opacos. Opacos como a vidraça embaciada que não deixa transparecer luminosidade, nem sentimentos, muito menos, emoções.
Já, os vitrais, são deslumbrantes. Filtram o brilho, de tal modo, que parecem faróis clareando a escuridão. E, ainda bem que existem pessoas vitrais que espargem a claridade, vinda de seu interior, para todos ao redor. Um bando de corajosos que se destaca dos demais como brilhantes em meio ao cascalho.
Através da transparência sentimos a segurança do terreno onde pisamos. Estamos protegidos de armadilhas e emboscadas. No entanto, na obscuridade ficamos expostos a trapaças e ao duvidoso.
E, por tanto ter despencado pelos densos labirintos do obscuro, o homem construiu, ele próprio, o seu nevoeiro particular, numa tentativa inócua de proteção.
Consequentemente, os desencontros, que são a tônica do atual, registram o resultado do confronto entre os transparentes e os opacos.
Vencedores são os que escolhem a luminosidade que salta aos olhos, transpira pelos poros, derrama-se nos gestos. Fazem parte do seleto grupo dos diferentes. Daqueles que ficam com a melhor fatia do bolo.
Os iguais andam caminhando por entre os outros com seu andar lento, moroso e monótono. Protegem-se tanto, que até deles mesmos se esconderam e vivem, no seu pequeno e restrito mundo, como se fossem senhores de um grande império.
Disfarces nebulosos nunca possibilitam a descoberta da beleza. A extrema, indizível, inigualável beleza de amar, de sair de dentro de si para encontrar no outro o reflexo da face do amor.
Os raios que o sol emite não se deixam ofuscar por trevas no firmamento. Estão sempre ali, espargindo calor e energia na transparência da luz.
Os seres transparentes refletem sua essência, mesmo frente ao turvo olhar dos que se escondem da vida por trás de um escudo de sombras.
No transparente o verdadeiro amor; no opaco, a imitação!
Entre um e outro, fico com um trecho do Vinicius: “Somos a constelação perdida que caminha largando estrelas. Somos a estrela perdida que caminha desfeita em luz!”
Pois, na transparência da luminosidade se aproveita o bom da festa e a melhor fatia do bolo da vida.

5 comentários:

Jeferson Cardoso disse...

Maria Alice, pensei em uma maneira de falar e homenagear a todos que tanto vêm me incentivando com o carinho e apoio que me doam.
Escrevi uma crônica pensando em nós blogueiros. Falei sobre o que penso ser o blog para nós. Você pode concordar ou discordar; pode também acrescentar; mas não deixe de opinar. Leia e entenderá por que a sua opinião é indispensável para mim e para todos blogueiros.

Abraço do Jefhcardoso do http://jefhcardoso.blogspot.com

Dulce Miller disse...

Olá Maria Alice! Gostei muito deste texto, me fez pensar de forma diferente, como nunca antes havia pensado, sobre o relacionamento com as outras pessoas, obrigada!

Gostei muito também dos teus poemas, gostei TANTO que tive a ousadia de levar alguns lá pro meu blog, numa espécie de homenagem pra ti.Espero que não fiques chateada comigo...

Beijos, muito sucesso!

Dulce Miller disse...

Desculpe, esqueci de deixar o link, se quiser ver como ficou:

Fragmentos de Maria Alice Estrella

Beijos!

Dulce Miller disse...

Nossa, fiquei tão emocionada com teu comentário no meu blog que quase chorei!!!
Eu AMO escrever também e pra mim seria uma grande honra te mostrar algumas coisas, sem pretensão nenhuma, apenas pra ter a opinião sincera de alguém que é MESTRA em literatura.Assim que possível vou te enviar,ok?

Ah, quando escrever o texto sobre onde os sonhos extraviados vão parar, me envia que publico e divulgo no meu blog!!

Um abração de urso pra ti querida, muito obrigada, de coração!!!!

Jeferson Cardoso disse...

Olá Maria Alice! Venho agradecer por seu apoio ao meu blog e por conseqüência a minha escrita. Achei importante dizer o quanto me tem sido fundamental o seu incentivo. Assim, deixo aqui registrada a minha gratidão e lhe desejo um final de semana excelente; com muita poesia e boas histórias; tudo em tempo real. (sorrio).

Abraço do Jefhcardoso