20 abril 2010

Um homem, uma mulher


Dizem que a poesia é a prima pobre da literatura. Discordo. Poesia é um jeito de olhar, de falar, de ver a vida através de lentes especiais. Ricamente vestida com adornos só visíveis ao tato das almas, a poesia surge onde menos é esperada.
Escrever poesia é simples como beber um copo de água, naturalmente. Só questão de sensibilidade e prática. Todos somos poetas em essência. Basta possuir uma percepção afiada pela constância de viver e o poeta está pronto para redigir. A gente pensa poesia, porém nunca escreve o que pensa. Poesia não é privilégio de autores famosos. Escrever poesia é soletrar sentimentos numa cadência melódica que escorre pelos dedos da alma.
Ler poesia é um tanto diverso. É como viajar num barco alheio em rotas traçadas por especialistas em emoções. Muito agradável e cômodo porque alarga horizontes e propicia novas sensações sem que se faça esforço algum a não ser o de se deixar levar ao prazer do vento, guiado por outrem.
Ouvir poesia é mais fácil, sem dúvida. Muitas gravações de poemas de grandes autores foram feitas em vozes extremamente cativantes, O que torna acessível e prático o exercício de escutar beleza com os olhos quase cerrados em completa entrega e absorção.

 Creio que, reservar um tempo para escrever, ler ou ouvir poemas, não é a escolha de muitos para aproveitar o descanso de um domingo. Aconselho experimentar.
Hoje, resolvi, ver poesia. Isso mesmo. Ver poesia.
Em vez de sair para a tarde ensolarada e convidativa, preferi rever um filme que muito me encantou na adolescência. Optei por ver poesia.
O título em francês é sonoro e perfeito. Em português a tradução foi fiel: Um homem, uma mulher. Foi lançado em 1966 e quase toda a geração da época assistiu. O enredo é verdadeiro, real, fiel à essência da poesia em cada diálogo e gesto. Os intérpretes perfeitos, encaram cada cena com tanta naturalidade como se fosse a vida própria de cada um, como se cada um deles estivesse vivendo, deveras, as situações. As expressões faciais dos atores falam poesia, o silêncio deles murmura poesia.
Meus olhos estão plenos de poesia, da poesia que penetrou alma adentro na visualização do contexto da película, que merece ser vista mais de muitas vezes.
Tudo muito atual, é o que constato, após o final. Um homem, uma mulher que se encontram num labirinto de emoções, ao acaso, na chuva, na rua. Cada qual com sua bagagem de passado e de presente, de angústias e planos, de dramas, de perdas, de sucessos e de, principalmente, solidão. Os conflitos das relações amorosas da década de sessenta são os mesmos da década atual com virada de século e tudo o mais. Nada mudou. Exceto a moda, é claro. O figurino mostra a diferença no modo de vestir. E é só essa a mudança.
A fotografia deslumbra, extasia e não lembro de ter visto nada que se possa comparar ao que Claude Lelouch escolheu para as cenas desse filme. A beleza das paisagens é de tirar o fôlego.
A trilha sonora é fascinante e, além das belas composições de Francis Lai, se pode ouvir Vinicius de Moraes e Baden Powell. Aliás, por coincidência, a minha música preferida, é “Um homem, uma mulher” do Francis Lai. A música tema do filme. Ela mexe comigo de um jeito que não sei explicar. Logo eu, que tenho tanta facilidade em traduzir sentimentos.
Com essa aura de poesia bailando por dentro e por fora de mim, deixo o resto do domingo acontecer em marcha lenta.
Amanhã, tem a poesia da segunda-feira. Mas isso é outra conversa.

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