04 julho 2010

DEPOIS

Pode ser uma característica do modo de ser, do jeito de conduzir o cotidiano, mas existe nas atitudes rotineiras um deixar para depois repetitivo, constante e generalizado.
No fundo, me perturba esse deixar para depois tão comum. Depois eu ligo, depois eu vejo, depois eu ouço, depois eu faço, depois eu vou. Tudo fica para um depois que nem se sabe se vai estar ali depois.
A vida é um espaço de tempo veloz. Cada minuto tem que ser aproveitado da melhor forma possível. Não dá para protelar.

Demora algum tempo para se aprender que o depois é bom ou ruim, dependendo do que fazemos com o aqui e agora.
Pode até ser um sinal característico das gerações atuais esse deixar para depois. A vida agitada com seus múltiplos chamamentos desorganiza qualquer agenda.
Antigamente, a calmaria dava espaço para as pessoas cumprirem com as tarefas do cotidiano da vida, “tim tim por tim tim.”
Precipitar os gestos não é o mais adequado, mas pecar por omissão e desleixo é demais.
Alguns raros indivíduos têm a premência de não prorrogar o abraço, o telefonema, o cartão, o e-mail. Exceção à regra. Na maioria esmagadora, existe o tratado do depois, a epidemia do em seguida.
Quando John Lennon escreveu que “a vida é aquilo que acontece enquanto fazemos planos para o futuro” estava constatando que o depois é incerto, imprevisível e sai de foco facilmente, basta que a câmera digital da existência trema levemente. E o depois, deixa de existir.
Claro que nem tanto ao mar, nem tanto a terra, não sejamos muito exigentes. Mas, convenhamos, está exagerada a tal prática do depois. Quem alega que não tem tempo, muitas vezes, deixa de priorizar o mais significativo. É uma questão de organização.
O tempo é uma vela acesa. Tem que se ter cuidado com as correntes de vento para mantê-la tremulante e vivaz, porque amanhã, ninguém sabe.
Se perguntarem qual a minha preocupação maior, eu diria que é a de ser oportuna. Prefiro o presente ao passado e ao futuro.
Hoje escrevo para o amigo distante, ligo para a sábia tia, almoço com a colega de trabalho, abraço o namorado, sorrio para a desconhecida que atravessa a rua ao meu lado, janto com as estrelas, rabisco uma crônica, acaricio os filhos.
Depois? Que seja um depois favorável, adequado ao tempo, se fazendo presente sem o ranço do passado e propício ao que convém no momento próprio.
Depois é um estágio que dá margem a remorsos. E Deus me livre disso!
Sou pouco adepta de surpresas. Até porque, quem surpreende pode ser surpreendido. E daí, se cria um desconforto que muito me desagrada. Mesmo que seja uma surpresa boa. Sempre me assusta e o coração dispara querendo saltar do peito. Com isso não sei lidar bem.
Talvez, essa seja a razão mais forte a me mobilizar para não postergar para depois o que posso fazer hoje.
E, pensando bem, há vantagens múltiplas em colocar o depois em seu devido local e cada gesto no seu lugar no aqui e no agora.

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