05 setembro 2010

FIO DE LINHA


Afora a beleza, sensibilidade e inteligência, que lhe eram peculiares, possuía um senso de humor fora do comum. A personagem ancestral continua marcando sobremaneira a história de seus descendentes.


Fico sabendo dos fatos em que ela interagiu, através dos relatos de uma das protagonistas, que teve o privilégio de ser filha dessa extraordinária mulher. São histórias contadas em entremeios de conversas, que registro para a posteridade.

Minha avó criou e educou oito filhos. Em certa ocasião, os dois mais velhos aprontaram uma travessura, que transcrita aqui agora, tem o aspecto leve de um acontecimento pueril. Mas, quando correu foi sério.


As duas crianças descobriram que a tampa do tinteiro (naquela época se escrevia com canetas molhadas em tinta) formava círculos exatos se carimbados na alva talha de linho da mesa de jantar. Então, desenharam rodinhas por todo o espaço disponível, dando risadas ao criarem uma obra de arte sob o seu ponto de vista infantil.

Ao serem descobertos, não houve palmadas ou muito menos, gritos ou ranger de dentes. Apenas uma face, demonstrando muita contrariedade.

Minha avó pegou um carretel de linha, cortou dois fios, sentou cada um dos filhos em uma cabeceira da longa mesa e amarrou o tornozelo, de um e de outro, ao pé das respectivas cadeiras. Ambos, ficaram se encarando em absoluto silêncio, presos por um tênue e frágil fio de linha de algodão. E a voz da mãe se fez ouvir clara e firme: - “Cuidem para que esses fios de linha não rebentem.” E finalizou: - “Não sei do que serei capaz se isso acontecer.”

E saiu da sala. Os dois pequenos de olhos bem atentos e arregalados cochicharam por um longo período de tempo, sempre prestando muita atenção no fio de algodão que envolvia seus tornozelos nas cadeiras. Pouco ou quase nada se mexiam. Talvez, estivessem pensando no “não sei do que serei capaz”, que a mãe dissera. Palavras fortes. Nada além disso. O objetivo era esse mesmo: fazê-los conjeturar no tamanho da travessura e imaginar as conseqüências possíveis dessa brincadeira inocente que estragara para sempre a toalha branca de linho.

Fico espantada com a força moral dessa mãe quem com um mero fio de linha, manteve duas crianças, obedecendo a uma ordem e cumprindo um castigo pela peraltice. Só um fio de linha foi necessário. Fio de linha que teve o poder de um fio de aço.

A criatividade de um adulto, pai ou mãe, é fundamental no processo educador. Ontem ou hoje, a tarefa é árdua. Mesmo que as mudanças da evolução tenham trazido novas realidades para a vida atual, que as travessuras tenham se transformado em padrão e grau, com consequências assustadoras e, muitas vezes, desastrosas, ainda, é interessante buscar atitudes criativas para estabelecer limites.

E me pergunto:-“Onde ficou perdido o fio de linha?”

Muitas respostas surgirão. Existem compêndios aos milhares publicados por estudiosos do ramo. Leis são promulgadas para normatizar a conduta dos educadores e pais.

Porém, continuo pensando naquele fio de linha. No respeito que aquela mãe conquistou com um olhar, na atitude que determinou limites, que mostrou que a liberdade tem preço, que as transgressões têm consequências e que educar requer habilidade. Habilidade e perícia que possuem os que seguem o caminho tortuoso de ensinar sem perder contato com o bom senso e o discernimento.

Talvez, o fio de linha tenha se enredado na modernidade. Difícil desfazer os nós que usos e costumes impõem as novas gerações.

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