15 março 2011

DSCURSO IMPLÍCITO


Sabe aquelas coisas que não são ditas, mas que são percebidas? Aquelas palavras que só se expressam através de um gesto, um olhar, um movimento?
Como elas se comunicam conosco, mesmo no silêncio!
Aliás, dizem que o silêncio fala. E eu concordo.
A questão é: - de que maneira interpretar essa linguagem sublinear que ronda o nosso dia a dia no silencioso espaço do outro?
Há nisso um grande risco. O risco da interpretação. Porque do mesmo modo como se interpreta errado alguma frase dita, se corre um risco muito maior de mal entender um gesto mudo.
Gostaria de saber como equilibrar a leitura do que não é dito com a audição do que é falado. Assim, compreenderia os olhares inaudíveis tanto quanto capto as palavras pronunciadas.
Interpretar. Traduzir a linguagem gestual. Explicar a expressão enigmática. Decifrar o código submerso. Esclarecer o sentimento alheio.
Onde buscar conhecimentos suficientes para tal tarefa, tão urgente e necessária? E não se trata aqui de abordar a arte teatral. Os atores interpretam um personagem e não a si próprios. Interpretam um texto que não foi escrito por eles. A realidade que traduzem é a realidade do outro. No cotidiano isso é bem diferente.
Muitas vezes, interpretei um olhar de perdão como repreensão, um gesto de paciência como omissão, um sorriso sereno como rejeição e por aí afora. Interpretei mal gestos silenciosos e palavras proferidas porque tentei adivinhar e presumir. E o pior é que não escapei de ser mal interpretada também.
Interpretar gestos exige habilidade de percepção tátil das emoções humanas. Coisa de poucos e raros. É como se fôssemos capazes de esmiuçar a alma do outro com mãos de veludo, cuidadosamente, pois essa leitura não é feita de palavras e sim é a leitura do livro que cada um traz em si mesmo.
O livro que escrevemos no nosso interior e mantemos guardado longe do alcance de olhares alheios. Apesar disso, vez ou outra, o folheamos descuidados, deixando sem querer, que nos peguem de surpresa numa fração de momento. E pronto. Lá se vão nossas emoções a se exibirem descaradas em olhares indisfarçáveis ou em gestos vulneráveis. Os outros nos leem. E, perigosamente, podem interpretar como bem quiserem os segredos das nossas mais íntimas verdades. E, falando em verdades, aquilo que é dito em palavras, algumas vezes é falso, mas o que se manifesta em gestos raramente o é.
Por certo, ainda temos gravados na retina muitos gestos e olhares que nem o tempo conseguiu traduzir.
Talvez, não tenhamos entendido a linguagem implícita daquilo que não foi dito. E que, escapando do nosso alcance, para todos os efeitos, foi propriamente dito e mal interpretado.

Nenhum comentário: