04 setembro 2011

COLCHA DE RETALHOS


Queria ser proprietária de uma máquina de tecer fios especiais. Esses fios invisíveis, arredios, teimosos, poderosos, que entrelaçam toda e qualquer atividade do cotidiano. Fios que ficam suspensos no ar, displicentemente, voando longe do nosso alcance. Fios, entretanto, que dependem uns dos outros (e nos tornam subalternos, por via de consequência) numa sequência que, nem sempre, é o que deveria ser.



E nessa inquietude, que a ausência de sincronia causa, ficamos equilibrando atividades numa espera angustiante de que os tais fios se cruzem, se unam, se entrelacem e façam com que a roda gire a nosso favor.


Alguns fios não se subordinam a outros por puro descaso, por atraso, por imprudência, negligência, imperícia e interrompem sumariamente o costurar dos fatos. Inoportuno domínio que causa uma sujeição incômoda a quase tudo que se quer ver realizado.



Se o trem não partir no horário previsto, vou me atrasar para o compromisso. Se a correspondência deixar de ser entregue na data marcada, ficarei impossibilitada de cumprir com o prazo. Se a mensagem no celular ficar sem abrir, perco a chance de receber boas novas. Se o abraço ficar relegado para um “mais adiante”, (que nunca é sábia medida), suspendo o carinho. Se a palavra estrangular na garganta e emudecer, desperdiço a oportunidade única.


Quero o palpável do aqui e do agora acontecendo “sem mais essa ou aquela”, portanto, derramo o que sou por sobre a colcha de retalhos das horas e encontro sempre mais uma alternativa para realizar o que me proponho, transbordando de carícias para com a manhã que nasce em meus olhos, mesmo que haja escuridão lá fora. O medo das dores não vai represar a minha ânsia de ir adiante.


Os fios que tratem de se entregar para as mãos tecelãs do impalpável e que se apressem no entremear de cores, matizes e texturas para a confecção do meu tempo em tempo e a tempo. Minha colcha de retalhos precisa de costuras. Basta de alinhavos.


Para melhor viver, me afasto do que faz mal, daquilo que molesta minha essência, que despetala a rosa que cultivo em redoma transparente e vulnerável. Impulso de preservação, de sobrevivência. Questão de gestão ambiental, de sustentabilidade na insustentável alma que me move.


Que os fios cumpram seu destino de harmonizar situações, de unir pedaços, de montar cenários, de suspender em ascensão constante esse meu desejo de voar nas asas das palavras.



Um comentário:

Francisco Settineri disse...

Secretando fios de palavras ao vento, como um bicho-da-seda!