22 abril 2012

SELECIONANDO ACERVOS OU ESVAZIANDO GAVETAS



              Gavetas, compartimentos que podem ser grandes, rasos, largos, diminutos, longos, estreitos. Enfim, podem possuir todas as dimensões e ocupar espaços circunscritos aos limites que lhe cercam sem perderem as qualidades e características peculiares.
          Gavetas são necessárias, são objetos de utilidade pública, até.  Impossível me imaginar sem elas.
          Gavetas têm, outrossim, a característica de retratarem seus donos.  Existem gavetas extremamente bem organizadas e penso eu que essa foi a idéia primordial de quem a criou.  Entretanto, já vi gavetas desorganizadas. Um amontoado de diversos objetos que não possuíam coisa alguma em comum, a não ser o fato de estarem num mesmo lugar, na gaveta propriamente dita.
         Guarda-se em gavetas: cartas (com o advento da Internet) muito antigas, fotografias não menos antigas, chaves de todos os tamanhos e feitios, óculos de graus desatualizados, pedaços de papel com anotações várias, recortes de jornal de algum artigo tocante e oportuno e, por aí afora.  Um emaranhado do nosso cotidiano despejado em compartimentos aparentemente seguros.
         E, de tanto engavetar coisas, vamos engavetando memórias num ritual de guardar como se assim pudéssemos conservar o tempo enclausurado.

         Gavetas têm desses detalhes.  Guardam.  Guardam pedacinhos de nós mesmos, plasmados em objetos.  Sei de pessoas que me recortam, ou melhor, recortam as páginas que escrevo e as guardam em gavetas.   Conhecimento esse que me deixa extremamente gratificada.
        Isso sem falar nas gavetas da alma.  Compartimentos indispensáveis onde se colocam sentimentos, sensações, impressões, sensibilidades.    Sem essas gavetas, nossa alma não encontraria respaldo para se manifestar.
        E, diga-se de passagem, que as gavetas da alma têm vantagem sobre as outras.  As gavetas da alma possuem divisórias invisíveis e comunicáveis entre si.    Daí, a maravilha de armazenar sentimentos que se misturam num espaço para além do restrito de quatro paredes ou de seis lados, conforme o ponto de vista.
        Do lado de dentro do peito temos gavetas de emoções e na mesinha ao lado da cabeceira da cama, gavetas cheias de recordação e de bugigangas que enfeitam, de algum modo, a nossa vida.
        Gavetas que se transformam em imprescindíveis para conservar memórias em pedacinhos guardados.      
         E sempre é tempo e nunca é tarde para esparramá-las, virá-las de cabeça para baixo para selecionar o útil e descartar o supérfluo.
         Na mudança das estações climáticas minhas gavetas passam por esse processo. Preocupações postergadas, decisões adiadas, escolhas suspensas, sonhos deixados para depois, fogem das gavetas, se espalham pela casa, e me sequestram.  O preço do resgate é ter que arregaçar a pele para amoldar afetos e organizar os assuntos em lista de prioridade.
         Por menos que se queira, sentimentos se acomodam nas gavetas da alma e, vez ou outra, nos momentos em que as abrimos, vêm à tona para respirar, para mostrar que existem, para chamar nossa atenção.
         Reler uma carta antiga ou reavaliar uma emoção passada, de alguma forma, propicia uma renovação e, se descartadas, oportunizam que o espaço vago seja preenchido pelo inédito.
         

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