Gavetas,
compartimentos que podem ser grandes, rasos, largos, diminutos, longos,
estreitos. Enfim, podem possuir todas as dimensões e ocupar espaços
circunscritos aos limites que lhe cercam sem perderem as qualidades e
características peculiares.
Gavetas são necessárias, são objetos
de utilidade pública, até. Impossível me
imaginar sem elas.
Gavetas têm, outrossim, a
característica de retratarem seus donos.
Existem gavetas extremamente bem organizadas e penso eu que essa foi a
idéia primordial de quem a criou.
Entretanto, já vi gavetas desorganizadas. Um amontoado de diversos
objetos que não possuíam coisa alguma em comum, a não ser o fato de estarem num
mesmo lugar, na gaveta propriamente dita.
Guarda-se em gavetas: cartas (com o
advento da Internet) muito antigas, fotografias não menos antigas, chaves de
todos os tamanhos e feitios, óculos de graus desatualizados, pedaços de papel
com anotações várias, recortes de jornal de algum artigo tocante e oportuno e,
por aí afora. Um emaranhado do nosso
cotidiano despejado em compartimentos aparentemente seguros.
E, de tanto engavetar coisas, vamos
engavetando memórias num ritual de guardar como se assim pudéssemos conservar o
tempo enclausurado.
Gavetas têm desses detalhes. Guardam.
Guardam pedacinhos de nós mesmos, plasmados em objetos. Sei de pessoas que me
recortam, ou melhor, recortam as páginas que escrevo e as guardam em gavetas. Conhecimento esse que me
deixa extremamente gratificada.
Isso sem falar nas gavetas da
alma. Compartimentos indispensáveis onde
se colocam sentimentos, sensações, impressões, sensibilidades. Sem essas gavetas, nossa alma não
encontraria respaldo para se manifestar.
E, diga-se de passagem, que as gavetas
da alma têm vantagem sobre as outras. As
gavetas da alma possuem divisórias invisíveis e comunicáveis entre si. Daí, a maravilha de armazenar sentimentos
que se misturam num espaço para além do restrito de quatro paredes ou de seis
lados, conforme o ponto de vista.
Do lado de dentro do peito temos
gavetas de emoções e na mesinha ao lado da cabeceira da cama, gavetas cheias de
recordação e de bugigangas que enfeitam, de algum modo, a nossa vida.
Gavetas que se transformam em
imprescindíveis para conservar memórias em pedacinhos guardados.
E sempre é tempo e nunca é tarde para
esparramá-las, virá-las de cabeça para baixo para selecionar o útil e descartar
o supérfluo.
Na mudança das estações climáticas
minhas gavetas passam por esse processo. Preocupações postergadas, decisões
adiadas, escolhas suspensas, sonhos deixados para depois, fogem das gavetas, se
espalham pela casa, e me sequestram. O
preço do resgate é ter que arregaçar a pele para amoldar afetos e organizar os
assuntos em lista de prioridade.
Por menos que se queira, sentimentos se
acomodam nas gavetas da alma e, vez ou outra, nos momentos em que as abrimos,
vêm à tona para respirar, para mostrar que existem, para chamar nossa atenção.
Reler uma carta antiga ou reavaliar uma
emoção passada, de alguma forma, propicia uma renovação e, se descartadas,
oportunizam que o espaço vago seja preenchido pelo inédito.
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