Muitas vezes é imprescindível fazer
silêncio na alma. Ficar a sós sem palavras. Extremamente benéfico emudecer a
voz para ouvir os pensamentos, sem verbalizá-los.
No entanto, no convívio com os demais, o
silêncio se transfigura. Dá margem a muitas elucubrações.
Esse
silêncio traz uma mensagem inaudível, mas nem por isso deixa de ser
escutado. Fala de mundos inatingíveis,
de portas trancadas, de segredos guardados.
Indecifrável. E, como é misterioso em seus labirintos, assusta pelo
espaço desconhecido que se abre quando ele surge.
Desagradável ficar na platéia,
assistindo ao desenrolar mudo dos pensamentos que se confinam a olhares vagos e
distantes na coxia, nos entremeios. Mas
a falta de palavras diz o que a alma sente.
E deve ser respeitado esse mecanismo onde fantasmas confabulam.
Que importa se os sentidos buscam retorno. De que vale estender os nervos em todas as
direções para abraçar o estático vazio que ronda a presença de imagens alheias,
vindas nem se sabe bem de onde.
O silêncio, vez ou outra, é claro. Grita nomes, se esquiva, tenta inutilmente
camuflar sensações antigas, remexe em cinzas, consente, fica assustado
prendendo a voz. E o não saber o que fazer frente ao momento protagonizado,
deixa uma perplexidade, pairando no ar.
Esses estreitos corredores que prendem as emoções, involuntariamente, a
laços indeléveis e fortes.
E
o rito de passagem, dolorosamente, se inicia num silêncio de espera.
Tal e qual a sensação que os atores vivenciam antes de
entrar em cena na estréia de um espetáculo; a dor de palco. Aquele frio
no estômago, aquelas mãos geladas e nervosas, aquele tremor nas pernas.
Assim, como na vida, a cada experiência nova, o inusitado faz o mesmo com cada
um de nós. A sensação de estréia vem acompanhada de toda uma gama de
outras sensações, que se misturam num misto de medo, de ânsias, de
dúvidas, de desejos, de silêncios eloquentes. Depois, quando a cortina se
abre, silêncio na platéia e silêncio no palco.
Questão de segundos com peso de horas.
No entanto, o silêncio é sintoma. É sinal de um antes e de um depois que se
comunicam através da ponte da vida.
E alguma utilidade tem essa insistente mania de escrever sentimentos
costurados em cada linha, numa compreensão de tudo o que a vida determina como
roteiro a ser cumprido no silêncio. Em absoluto silêncio, redijo.
Pois, verdadeiros e completos tratados
são elaborados no silêncio de cada um, frente a questionamentos e
decisões. É como exercitar, na ausência
total de ruídos, a prática de aquietar sentimentos, subjugar emoções e
controlar o inevitável.
Porém, o silêncio é uma faca de dois gumes. Lança a dúvida e a incerteza nos que ouvem
seus sussurros. E a interpretação do
silêncio corre livre, leve e solta. Daí
o perigo. Podemos encarar o silêncio
como fuga ou como rendição. Como perda
ou como ganho. Tentar interpretá-lo em seus labirintos
intrincados é difícil, pois raro será fazer uma avaliação correta, mesmo
seguindo a orientação da perspicácia e da sensibilidade. Corre-se o alto risco de cometer equívocos
irreversíveis.
Arriscado é, também, usar o silêncio como pretexto, couraça ou
omissão, assinalando um rastro
obscuro de inquietude, de apreensão, de indagação no espaço e no tempo.
Portanto, mais vale falar claro e em bom som sempre que for
necessário, deixando o silêncio reticente para as noites sem sono e solitárias.
Maria Alice Estrella
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