16 junho 2013

ALMA AREJADA


        Está tudo muito bom, está tudo muito bem mas "ser feliz é tudo o que se quer", como diz a canção do Kleiton e do Kledir.
        Vou mais longe. O que se quer é arejar a alma, abrir portas e janelas para deixar que o vento da emoção prorrompa campo adentro e espaço afora, provocando em nós antigas sensações de uma estréia que se renove e se repita e nos faça suspirar, estremecer, e transbordar para além de nossos limites corpóreos.
         Existe, atualmente, uma escassez de envolvimento nas relações de amor. Carência de envolvimento emocional que nos torne comprometidos com o outro, sem trava de segurança, sem medo de ser feliz, tenhamos 20, 35 ou 60 anos. A idade da emoção no sentimento é atemporal.  E é surpreendente constatar que, em quase todas as idades, os protagonistas de uma convivência de amor extirpam a emoção do relacionamento como se ela fosse perfeitamente descartável ou, até mesmo, um entrave, um impedimento inconveniente.
         E da aridez do terreno da alma brotam espinhos que maltratam e retratam o ocaso do sentimento. Tenho constatado tantos ocasos que qualquer alvorecer me extasia.  Aliás, é mais comum testemunhar o entardecer do que a alvorada de um relacionamento.

       No entanto, insistente e convicta afirmo que a emoção é requisito básico para irrigar a alma de quem se quer bem. Mais do que urgente é banhá-la, incessantemente, com doses salutares de ingredientes básicos, tais quais o de um sorriso cúmplice, de um toque suave de carícia no olhar, de uma voz sussurrante de carinho, de um gesto inesperado e, não menos esperado, de um telefonema fora de hora e, ao mesmo tempo, oportuno. Simples e imprescindíveis atitudes de sensibilidade aguçada, de sintonia fina com o outro.
       Na realidade, a maioria das pessoas tem medo de se envolver no redemoinho das emoções, porque corre o risco de sofrer. Sofrimento maior é não se deixar atingir, não se permitir sentir ou, como disse o poeta: “É solitário andar por entre as gentes" (Luiz de Camões).  Pois, ironicamente, o sofrimento maior é a extrema solidão a que se sujeitam os medrosos, em nome de uma pretensa imunidade.  
         Lastimo pelos que associam emoção e dor como complementos de afeto.  Esqueceram que a liberdade de partilhar o bônus é o ingresso para a festa dos sentidos e que a desejada isenção de ônus é a ressaca do dia seguinte.
         Uma liberta, a outra escraviza.  
         A escolha é nossa e as consequências, também.
        Melhor é participar da festa do início ao fim com todos os sentidos, perambulando pela alma arejada, livre, leve e solta.  O resto vem por acréscimo para deleite dos convidados.


 MARIA ALICE ESTRELLA



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