24 junho 2013

GOTA D'ÁGUA


         Sempre surge a gota d’água que desencadeia o transbordar da nossa reserva de tolerância.  Uma mínima porção de água, um pequeno imprevisto tem a força de um batalhão.   Um simples detalhe faz entornar o caldo.        Gotas e mais gotas vão enchendo o nosso reservatório, mas uma só delas faz a diferença.  A última gota. Ela chega com todo o poder de desencadear uma guerra no que antes parecia significativamente pacífico.
         Tantas vezes explodimos, ao longo da existência, como verdadeiras bombas acionadas por um mero e corriqueiro detalhe.  Então, viramos a mesa, viramos o barco, puxamos o tapete, quebramos os pratos, soltamos o verbo.          
         Um toque de “fim da linha”, um categórico “acabou”!  E a partir daí “sai da frente!” Foi a gota d’água. Transbordou o copo e tudo o mais deixa de ser obstáculo.  É o término.  O fim.  A solução de continuidade.
        Uma gotinha resolve o que jazia inerte e silencioso e faz vir à tona o que foi sendo armazenado lentamente numa aquisição diurna e noturna de desconfortos.

         Infelizmente, é assim que nos livramos dos espinhos afiados que nos arranham, das posturas fingidas que nos atraiçoam, do olhares desdenhosos que nos invejam, das relações afetivas que nos prejudicam. De repente, extravasamos para além do limite das nossas comportas porque a pressão se torna insuportável.
         No entanto, na maior parte das vezes, somos coniventes com o que acaba por estrangular, em nós, todo e qualquer nível de paciência. Por preguiça ou por hábito permitimos, com a nossa complacência, que se avolumem os comportamentos maldosos dos que nos cercam. A tendência é de, contumazmente, colocar pano quente em feridas que precisam de cirurgia.  
         E, de tanto fazer "vistas grossas" para situações que merecem a lente de um ourives, acabamos por permitir que o reservatório interior extrapole sua capacidade de retenção.
         Então, irreversivelmente, num determinado e certeiro instante, numa fração de segundo uma mera gota d'água produz o mesmo efeito de uma intensa e descomunal explosão.
         Corre-se o risco de ser incompreendido e taxado de intempestivo, mas isso é o de menos. O maior risco é seguir permitindo que o que perdeu o sentido continue a tencionar nosso cotidiano.
         Revise os vazamentos, controle o nível de tolerância, fiscalize a armazenagem das represas interiores de seus afetos para manter a sua própria segurança em patamares aceitáveis.
         Se alguma torneira ficar gotejante dentro da alma, muito cuidado com a última gota.   A gota d’água.
         É, de certa maneira inevitável portanto, prepare toalhas para enxugar os olhos quando transbordar o reservatório que você e todos, indistintamente, carregam dentro de si. E deixe as águas rolarem. Até a última gota d’água.   Vez ou outra, transbordar é um alivio urgente e necessário.     


Nenhum comentário: