Sempre surge a gota d’água que desencadeia
o transbordar da nossa reserva de tolerância.
Uma mínima porção de água, um pequeno imprevisto tem a força de um
batalhão. Um simples detalhe faz
entornar o caldo. Gotas e mais gotas vão enchendo o nosso
reservatório, mas uma só delas faz a diferença.
A última gota. Ela chega com todo o poder de desencadear uma guerra no
que antes parecia significativamente pacífico.
Tantas vezes explodimos, ao longo da
existência, como verdadeiras bombas acionadas por um mero e corriqueiro
detalhe. Então, viramos a mesa, viramos
o barco, puxamos o tapete, quebramos os pratos, soltamos o verbo.
Um toque de “fim da linha”, um
categórico “acabou”! E a partir daí “sai
da frente!” Foi a gota d’água. Transbordou o copo e tudo o mais deixa de ser
obstáculo. É o término. O fim.
A solução de continuidade.
Uma
gotinha resolve o que jazia inerte e silencioso e faz vir à tona o que foi
sendo armazenado lentamente numa aquisição diurna e noturna de desconfortos.
Infelizmente, é assim que nos livramos
dos espinhos afiados que nos arranham, das posturas fingidas que nos atraiçoam,
do olhares desdenhosos que nos invejam, das relações afetivas que nos
prejudicam. De repente, extravasamos para além do limite das nossas comportas
porque a pressão se torna insuportável.
No entanto, na maior parte das vezes,
somos coniventes com o que acaba por estrangular, em nós, todo e qualquer nível
de paciência. Por preguiça ou por hábito permitimos, com a nossa complacência,
que se avolumem os comportamentos maldosos dos que nos cercam. A tendência é
de, contumazmente, colocar pano quente em feridas que precisam de cirurgia.
E, de tanto fazer "vistas
grossas" para situações que merecem a lente de um ourives, acabamos por
permitir que o reservatório interior extrapole sua capacidade de retenção.
Então, irreversivelmente, num
determinado e certeiro instante, numa fração de segundo uma mera gota d'água
produz o mesmo efeito de uma intensa e descomunal explosão.
Corre-se o risco de ser incompreendido
e taxado de intempestivo, mas isso é o de menos. O maior risco é seguir
permitindo que o que perdeu o sentido continue a tencionar nosso cotidiano.
Revise os vazamentos, controle o nível
de tolerância, fiscalize a armazenagem das represas interiores de seus afetos
para manter a sua própria segurança em patamares aceitáveis.
Se alguma torneira ficar gotejante
dentro da alma, muito cuidado com a última gota. A gota d’água.
É,
de certa maneira inevitável portanto, prepare toalhas para enxugar os olhos
quando transbordar o reservatório que você e todos, indistintamente, carregam
dentro de si. E deixe as águas rolarem. Até a última gota d’água. Vez ou outra, transbordar é um alivio urgente
e necessário.
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