Cruzaram por mim num sinal fechado, apressados.
Chamaram tanto a minha atenção que me virei para observá-los melhor. Eram, sem
dúvida, pai e filha, pela semelhança entre os dois. Semelhança, mas não a de traços fisionômicos.
Havia uma parecença que os identificava. Alguma coisa para além, mais sutil,
mais similar do que os olhos, boca ou nariz.
E, ao
percebê-los assim, partilhando de uma caminhada tão cúmplice, me vi voltando no
tempo e relembrando das vezes em que fiz o mesmo na companhia do meu pai.
Aliás,
dizem que me pareço muito com ele, talvez por essa mesma impressão que me
causaram os transeuntes, essa semelhança que ultrapassa o visível.
O que
nos torna semelhantes aos nossos ascendentes e descendentes são os trejeitos, o
modo de olhar, as expressões faciais. Aquela identidade que paira no ar, nos
gestos e através deles. A semelhança do amor, pelo amor, para o amor.
Perdi
meu pai num trágico acidente, mas não me perdi de mim mesma, apesar de
mergulhada num mar de saudade. Graças a
tudo que aprendi com esse grande personagem (os que o conheceram sabem quão
extraordinário ele era), fui capaz de transmitir aos meus filhos o pleno
sentido da paternidade.
Nesse
domingo dedicado aos PAIS, homenageio o meu pai com uma caminhada de regresso a
nossa última conversa. A conversa da
despedida e, nenhum de nós, suspeitava que seria a derradeira vez.
A
conversa foi por telefone, mas eu o via através da distância, com o sorriso
largo, o olhar compreensivo, a sabedoria e perspicácia escorrendo de cada
palavra.
Era
agosto. O dia dos pais fora no domingo anterior.
Ele
queria saber como eu estava; perguntou sobre cada um dos três netos e ouviu
minha narração sobre as atividades deles na escola, as travessuras e todas as
coisas que as mães costumam comentar a respeito da prole. E dava risadas, faceiro.
Quase
ao final do telefonema, comentei que havia esperado por ele para dar o abraço
pela data comemorativa do dia dos pais. Ele explicou que a escala de vôo o
tinha impedido de ir nos visitar pela escassez de tempo, mas que naquela semana
ele iria a Rio Bonito, cidade onde eu residia na época.
Então,
e não me perguntem a razão porque é inexplicável, falei: - Papai, tenho um presente aqui guardado te esperando. É muito simples,
mas acho que vais gostar. Tu mereces tudo e, por mais que eu queira, nunca
poderei te agradecer por tudo que fizeste e fazes por mim, desde que nasci. És
um pai maravilhoso. Tudo o que sou devo a ti e ao que me ensinaste. Eu te amo
muito, papai, e agradeço a Deus ter me dado um pai assim.
Pude ouvir a emoção dele misturada a minha
emoção. Ele riu e disse: Que bobagem, menina! Mas te agradeço todo
esse carinho. No próximo vôo passarei pelo Rio e irei até Rio Bonito. Cuida bem
das crianças e te cuida também. Um beijo, minha filha.
Desliguei
o telefone sorrindo e satisfeita por ter dito cada palavra que viera do fundo
do coração. O mesmo coração que
estremeceu na noite seguinte com outro telefonema. O aviso do acidente que
provocou a morte do meu pai.
Deus
tem o hábito de nos proporcionar momentos únicos e indescritíveis. E, por
certo, aquele telefonema entre pai e filha foi um deles. Pude dar adeus de uma
maneira plena de ternura. Delicadeza de Deus.
Hoje,
comemoro o dia dos PAIS, orgulhosa e cheia de alegria pelos meus filhos, que
são pais tão especiais, dedicados e exemplares como o foi o avô deles. Semelhanças
que só o AMOR define.
Parabéns,
meus filhos, pelo dia que os tornou pais e os faz embaixadores do afeto
essencial, multiplicado através das gerações.
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