10 agosto 2013

SEMELHANÇAS


       Cruzaram por mim num sinal fechado, apressados. Chamaram tanto a minha atenção que me virei para observá-los melhor. Eram, sem dúvida, pai e filha, pela semelhança entre os dois.  Semelhança, mas não a de traços fisionômicos. Havia uma parecença que os identificava. Alguma coisa para além, mais sutil, mais similar do que os olhos, boca ou nariz.
         E, ao percebê-los assim, partilhando de uma caminhada tão cúmplice, me vi voltando no tempo e relembrando das vezes em que fiz o mesmo na companhia do meu pai.
         Aliás, dizem que me pareço muito com ele, talvez por essa mesma impressão que me causaram os transeuntes, essa semelhança que ultrapassa o visível.
         O que nos torna semelhantes aos nossos ascendentes e descendentes são os trejeitos, o modo de olhar, as expressões faciais. Aquela identidade que paira no ar, nos gestos e através deles. A semelhança do amor, pelo amor, para o amor.
         Perdi meu pai num trágico acidente, mas não me perdi de mim mesma, apesar de mergulhada num mar de saudade.  Graças a tudo que aprendi com esse grande personagem (os que o conheceram sabem quão extraordinário ele era), fui capaz de transmitir aos meus filhos o pleno sentido da paternidade.

         Nesse domingo dedicado aos PAIS, homenageio o meu pai com uma caminhada de regresso a nossa última conversa.  A conversa da despedida e, nenhum de nós, suspeitava que seria a derradeira vez.
         A conversa foi por telefone, mas eu o via através da distância, com o sorriso largo, o olhar compreensivo, a sabedoria e perspicácia escorrendo de cada palavra. 
         Era agosto. O dia dos pais fora no domingo anterior.
         Ele queria saber como eu estava; perguntou sobre cada um dos três netos e ouviu minha narração sobre as atividades deles na escola, as travessuras e todas as coisas que as mães costumam comentar a respeito da prole. E dava risadas, faceiro.
         Quase ao final do telefonema, comentei que havia esperado por ele para dar o abraço pela data comemorativa do dia dos pais. Ele explicou que a escala de vôo o tinha impedido de ir nos visitar pela escassez de tempo, mas que naquela semana ele iria a Rio Bonito, cidade onde eu residia na época.
         Então, e não me perguntem a razão porque é inexplicável, falei: - Papai, tenho um presente aqui guardado te esperando. É muito simples, mas acho que vais gostar. Tu mereces tudo e, por mais que eu queira, nunca poderei te agradecer por tudo que fizeste e fazes por mim, desde que nasci. És um pai maravilhoso. Tudo o que sou devo a ti e ao que me ensinaste. Eu te amo muito, papai, e agradeço a Deus ter me dado um pai assim.
       Pude ouvir a emoção dele misturada a minha emoção.  Ele riu e disse: Que bobagem, menina! Mas te agradeço todo esse carinho. No próximo vôo passarei pelo Rio e irei até Rio Bonito. Cuida bem das crianças e te cuida também. Um beijo, minha filha.
         Desliguei o telefone sorrindo e satisfeita por ter dito cada palavra que viera do fundo do coração.  O mesmo coração que estremeceu na noite seguinte com outro telefonema. O aviso do acidente que provocou a morte do meu pai.
         Deus tem o hábito de nos proporcionar momentos únicos e indescritíveis. E, por certo, aquele telefonema entre pai e filha foi um deles. Pude dar adeus de uma maneira plena de ternura. Delicadeza de Deus.
         Hoje, comemoro o dia dos PAIS, orgulhosa e cheia de alegria pelos meus filhos, que são pais tão especiais, dedicados e exemplares como o foi o avô deles. Semelhanças que só o AMOR define.

         Parabéns, meus filhos, pelo dia que os tornou pais e os faz embaixadores do afeto essencial, multiplicado através das gerações.

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