23 maio 2021

RECARGA

 


RECARGA

Maria Alice Estrella
O sinal avisava que era preciso conectar o aparelho no carregador.
Obediente, pluguei o cabo e o conectei na rede elétrica.
Imediatamente, surgiu a imagem correlata no meu cérebro. Acontece
quase sempre assim, dessa forma, a ideia para o texto de domingo. Meros
fatos dão origem a pensamentos vários.
Bem que eu gostaria de ter vindo ao mundo com um carregador de
baterias, desses que acompanham os telefones celulares. Quero muito
descobrir de que maneira me é possível recarregar minha bateria.
Os livros de autoajuda proliferam nas estantes das livrarias com mil e
uma receitas e dicas de como reabastecer as energias desgastadas ela
erosão do tempo implacável e dos revezes sem conta.
Eu não quero receitas; quero um carregador portátil que me
acompanhe noite e dia e reponha as minhas forças cada vez que se faça
necessário. E olha que não são poucas! Preciso recuperar o vigor a cada
instante de incerteza, de medo, de expectativa. Nas horas enoveladas entre
o sim e o não, entre o ficar e o partir, entre a solidão e a companhia.
O consumo de energia corporal e espiritual se identifica com o campo
real e o virtual. Esgoto minhas reservas físicas em exercícios de
alongamento e caminhadas. Recupero-me com um banho morno e uma noite
de sono bom. Dissipo meu celeiro de armazenamento emocional em sustos e
angústias. E ainda não descobri um modo de "calibrar o ar dos pneus"
invisíveis.
Haja fôlego!
Sem recarga fica difícil usar o telefone celular. Muito mais difícil
equilibrar o desgaste do corpo e da alma sem via de reabastecimento.
Uma das lições que aprendi nessas estreias cotidianas, entre o abrir e
o fechar de olhos, é de que não existe passe de mágica ou estalar de dedos
que reponha as energias esvaídas.
E "tem dias que a gente se sente como quem partiu", como escreveu o
Chico Buarque. Ninguém escapa dessa sensação, ao menos uma vez na vida.
A nítida impressão de que saímos de nós mesmos para algum lugar que não
existe. Um vazio de estação de trem quando o ultimo deixou a gare e o
silêncio povoa os trilhos.
Para esse momento especifico é que desejo intimamente uma recarga
potente. Vontade de me plugar numa corrente elétrica que acenda luzes na
alma e reabasteça os ânimos. Reanimar o que desfaleceu em mim por
exaustão, por uso demasiado.

Insisto veementemente na necessidade de se ter um aparelho com
mecanismos passíveis de recarregar nossas baterias interiores.
A energia extraordinária e fantástica de que somos feitos é
perecível, infelizmente.
Porém, tenhamos nós a idade que tivermos, usamos engrenagens
criativas para repor as forças tão logo nos sintamos ameaçados e
recobramos o fôlego, sem nos deixarmos abater por falta de energia. É tiro
e queda!
E, por arte de uma boa memória surgem os versos de Gonçalves Dias
para contribuir com meu ponto de vista: "Não chores, meu filho, não chores,
que a vida é luta renhida. Viver é lutar. A vida é combate que aos fracos
abate e aos fortes e aos bravos só pode exaltar."
Esse é, sem dúvida, o meu carregador invisível: a coragem.
E o teu, qual é?







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