06 dezembro 2008

TALVEZ


Desde sempre, tenho declarada e total alergia ao advérbio de dúvida: “talvez”. Minhas reações são desconfortáveis. Sinto calafrios, espasmos, erupções. Nada visível a olho nu. Passa despercebida toda e qualquer aflição que sucede em mim.
Talvez é uma palavra que fica em cima do muro e nunca se sabe para que lado ela vai pular. Fica ao sabor do acaso, do possível, do provável.
Esse íngreme degrau, essa incerteza, esse pode ser que sim - pode ser que não, que tal palavra provoca, tem o dom de me tirar do sério.
É uma angústia ficar à mercê da oscilação entre as possibilidades de qualquer situação. Mas a vida é assim mesmo; um risco constante, uma estréia a cada dia. E o sucesso é uma probabilidade , assim como o fracasso.
Talvez a idéia se concretize em realidade, talvez o silêncio seja interrompido, talvez a ausência se acabe, talvez a tristeza se inverta.
Talvez torne a rever os amigos queridos que o tempo levou para outras paragens. Talvez reate os laços desfeitos pelos ventos do desentendimento.
Talvez receba o tão esperado carinho. Talvez o telefone toque.
E a gente vai vivendo de “talvez” em “talvez” até talvez, até quem sabe, como diz a letra da canção de João Donato e Lysias Ênio.
Talvez se antepõe à certeza, é o oposto de segurança, o contrário de garantia. E, talvez, por essa razão simples me desgoste tanto conviver com o “talvez”.
A possível mudança para melhor ou pior, que foge ao acesso e, portanto, surpreende, também, assusta muito.
Talvez, por sentir que o minuto seguinte se revela e se desnuda alheio ao meu alcance, eu seja tão avessa ao talvez.
E “talvez” traz em seu contexto a agravante instabilidade entre o bom e o ruim, entre o sorriso e a lágrima.
Talvez a frase complete o pensamento. Talvez o esforço seja recompensado. Talvez a palavra traga a resposta.
E amanhã, talvez, a porta se abra ou se feche às chances. Ou, talvez, as chances se percam entre um instante e outro, e as oportunidades continuem no ponto onde estavam, na contínua expectativa que o “talvez” expressa.
O poeta (cumpre salientar que os poetas conseguem aperfeiçoar os significados das palavras e as sublimam) Francisco Otaviano escreveu num soneto: ...”dormir...talvez sonhar...quem sabe?”
Talvez o sono refaça o sonho. Talvez o sonho se realize. Quem sabe?
Quiçá. Para meu desassossego e desconforto paira a dúvida no ar.

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