28 junho 2011

Com paixão e compaixão


O nosso idioma, extraordinário e intrincado idioma, apresenta, por vezes, palavras idênticas com sentido diferente.
Ontem, caminhando apressada pelas ruas, comecei a escrever mentalmente o assunto da crônica desse domingo. A palavra que surgiu foi: compaixão.
Ato contínuo, essa que lhes fala, romântica incurável e assumida, separou a palavra compaixão e deu um sorrisinho maroto porque “com paixão” é um tema muito fértil, que proporciona vôos ao espaço amplo das emoções que movem a vida de cada um.

Sentir compaixão é nobre, é ter piedade, é condoer-se dos dissabores do próximo ou do distante. Sentimento puro de mentes conscientes e cúmplices com a dor alheia.
Porém viver com paixão é coisa bem diferente. Envolve um estado latente de energia, de entusiasmo, de dedicação, de compromisso. Compromisso, sim. Porque quando a paixão nos enlaça, rompe comportas como água de rio nas enxurradas sem freio.
E sentir paixão é se expor a toda e qualquer intempérie, é arriscar o passo, o gesto, a pele, o riso. Paixão acelera batimentos cardíacos, põe brilho no olhar, agiliza atitudes, desacomoda estruturas, preconceitos, planos. O ser envolvido pela paixão tenta equilibrar a razão num fio tênue e frágil porque, na paixão se arrisca perder para tentar ganhar.
Num dos trechos do livro “O profeta”, Gibran faz referência magistral à razão e a paixão: “Entre as colinas, quando vos sentardes à sombra fresca dos álamos brancos, partilhando da paz e da serenidade dos campos e dos prados distantes, então que vosso coração diga em silêncio: Deus repousa na Razão. E quando bramir a tempestade e o vento poderoso sacudir a floresta, e o trovão e o relâmpago proclamarem a majestade do céu, então que vosso coração diga com temor e respeito: Deus age na Paixão. E já que sois um sopro na esfera de Deus e uma folha na floresta de Deus, também devereis descansar na razão e agir na paixão.”
Sob a minha ótica, no meu ponto de vista, olhando bem de frente para minha face no espelho, sei que sou movida pelo combustível da paixão, faça sol ou caia chuva; sou emoção pura. Paixão pela vida, pelos outros, pelas descobertas. Apaixonada pelo antigo como referência e pelo novo como desafio. Incorrigíveis paixões que me sustentam, me mobilizam, me provocam.
Porém, e há sempre um “porém”, também sou razão. Muitas vezes até, racionalizo demais da conta para o meu gosto. Equilíbrio incômodo mas, necessário entre os prós e os contras, entre o deixar rolar e o colocar limites.
Mas “cá pra nós”, viver sem paixão, não é viver, é passar pela vida. E como não vim a passeio, absorvo como esponja cada detalhe da paisagem, fotografo rostos, planícies, penhascos, montanhas, rios e pontes. Tudo isso de que é feito o ser humano nas suas entrelinhas e que fascina, seduz, encanta essa minha alma peregrina.
Asseguro, parafraseando o poeta Vinicius de Moraes, que “são demais os perigos dessa vida pra quem tem paixão”
E no final das contas, sai ganhando quem arrisca. Uma lágrima pode até, vez ou outra, escorrer pela face e molhar o sorriso. Mas, não apaga o momento que semeou o sorriso, não impede a colheita do bom fruto. Apenas lava a tristeza.
Alegrias e tristezas vivem juntas quando se tem paixão. Melhor assim. Sem paixão tudo é árido deserto. E eu quero multidões ao meu redor. Quero a paixão como companheira de cama e mesa. Quero me abastecer constantemente da paixão, tendo compaixão pelos que perdem o melhor da festa.

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