04 julho 2011

EMPRÉSTIMO

Poucos escapam de alguma vez precisar pedir um empréstimo em banco. Junto ao alívio do socorro, vêm os juros e as correções monetários e todas as taxas possíveis e inimagináveis. Uma ponta de arrependimento não anula a necessidade do momento e, num conformismo irreversível, se acatam as normas que regem o “empréstimo” financeiro.

Até aí, tudo coerente. Porém, correlatamente, questiono como se processa os pedidos de empréstimo constante que o cotidiano impõe na vida de cada um. Como elaboramos os empréstimos que nos são pedidos e os empréstimos que nós oferecemos no campo dos sentimentos?

Partindo do ponto de vista de que nada nos pertence, de que não somos proprietários de coisa alguma concluo que tudo é emprestado. Os nossos pais, os filhos, os amigos, as emoções, as lágrimas, os risos. Aqueles momentos inesquecíveis, as gargalhadas gostosas, as dores inconvenientes, os amores correspondidos, as palavras suaves, os gestos bruscos. Tudo emprestado. Inclusive um amontoado de livros que foram e nunca mais voltaram.

Recebi uma mensagem muito bonita e significativa que motivou essa crônica. Aqui a transcrevo como adendo e exemplo para embasar meu modo de abordar o assunto: “Filho é um ser que nos emprestaram para um curso intensivo de como amar alguém além de nós mesmos, de como mudar nossos piores defeitos para darmos os melhores exemplos e de aprendermos a ter coragem. Isso mesmo! Ser pai ou mãe é o maior ato de coragem que alguém pode ter, porque é se expor a todo tipo de dor, principalmente da incerteza de estar agindo corretamente e do medo de perder algo tão amado. Perder? Como? Não é nosso, recordam-se? Foi apenas um empréstimo.” (José Saramago)

E não apenas os filhos nos são emprestados. Através e além das pessoas que amamos nos são emprestados abraços, consolo, energia, apoio, parceria.

No fundo e no âmago da questão de viver co-habita, paralelamente, conosco um arrazoado de chegadas e partidas, de encontros e despedidas.

Então, entre um e outro instante se colhe o melhor do presente. Que fiquem no balancete geral os juros pagos pelos empréstimos de felicidade. Entre perdas e ganhos, saímos lucrando se considerarmos que não nos pertencemos também. Somos nuvem passageira, como diz a canção, e nos derramamos em dádivas de lágrimas e colheitas de risos.

Dia desses, me surpreendi pensando no que empresto de mim para a alma de alguns. E logo, em seguida, valorei tudo que me emprestam em forma de energia, de ajuda, de partilha e me vi extremamente rica, milionária com um cofre repleto de lembranças marcantes de ontem e de hoje. Pessoas e coisas em que não posso tocar, mas que assinalaram sua passagem por mim pela verdade de sua essência.

E nisso reside o segredo de viver com coerência. Mesmo nos sabendo voláteis como as nuvens, é imprescindível que sejamos verdadeiros, autênticos, inteiros.

Moedas raras e valiosas que se multiplicam quando se doam no plano do invisível e, se juros há, pouco valem, ao final das contas.









Nenhum comentário: