28 setembro 2011

REMINISCÊNCIAS

Eu não deveria sentir saudade de uma época em que não vivi, mas sinto. Tenho a clara percepção de que alguma reminiscência desperta em mim em determinados lugares, em calçadas de mosaicos por onde caminha em devaneios a minha imaginação.


Seria presunçoso dizer tratar-se de um fenômeno extra-sensorial. Ao contrário, diria eu ser o uso em abundância de todos os sentidos bem palpáveis como se houvesse uma intimidade desinibida entre o que não vivi e o que pressinto.

Essas casas imponentes com longilineas paredes, que me rodeiam, contam histórias que ouço atentamente. Elas debruçam personagens, em suas janelas transparentes, que me espiam displicentes. Alguns surgem nas sacadas adornadas com arabescos de ferro e acenam com a cabeça num meneio suave e distinto.


Às vezes, me convidam para um sarau. Então, me desfaço em palavras, declamando prosa e verso no ritmo envolvente da valsa tocada no piano de cauda de onde brilha a única iluminação presente num candelabro pousado sobre um drapeado de veludo. A poesia corre solta como menina descalça em tardes de sol. A música ecoa por todos os cantos da alma. A luz das velas tênue desenha silhuetas discretas que me assistem em profundo silêncio, saboreando doçuras e sorvendo licores servidos em bandejas rebuscadas. Na placidez do instante, repouso como se todo o cenário me pertencesse.

É tudo tão familiar que me vejo andando por corredores com inúmeras portas com belos alambrados feitos por mãos exímias em madeira nobre. Meus olhos curiosos vagueiam pelo entorno dos imensos salões, perambulando entre o mobiliário ornado de pratarias e cristais requintados.

Um imponente relógio se ergue de encontro à parede no fundo de um corredor e seu pêndulo me diz que sim, me diz que não. E eu me posto frente a ele, misturando seu mecanismo preciso com meu desejo de desvendar mistérios. Imagino, assim, as dores, os segredos, os soluços, os risos e amores que conviveram com seus ponteiros, assinalando as horas, marcando o tempo, que é o grande senhor da vida. O relógio me encara e nada responde. Só seu tique taque ressoa como resposta alguma. Nada me diz. Continua a trajetória dos minutos completamente alheio a minha presença. E eu me rendo a sua soberania.

Retorno ao salão principal. Despeço-me dos presentes com um sorriso compreensivo. Coloco as luvas, o casaco e saio à rua, sem antes voltar à cabeça para uma espiadela a favor da memória fotográfica, que guardo a sete chaves, num esconderijo que só a mim diz respeito.

Sabe-se lá quando serei convidada para outro sarau! Toda a oportunidade é pouca.

Resgato, nessas andanças, uma época que não deveria ser esquecida. Reavivo um período que faz parte da história da cidade que é nobre, fazendo justiça ao título de Princesa que lhe foi conferido.

Por razões que a própria razão desconhece, sinto-me em casa quando meus pensamentos adentram pelo casario antigo que enfeita as ruas de Pelotas.

Preservar o passado nada mais é do que valorizar o presente e respeitar o futuro!

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