28 setembro 2011

sEGUNDA PELE

Chegando a Primavera e algumas peças de vestuário começam a ser substituídas. A primeira delas é a tal “segunda pele”. Aquela camiseta que tem a função básica de acalentar a pele com sua malha fina para proteger do frio.


Lá fora, os dias estão mais longos, o sol descansa arredio no horizonte numa lentidão de gato que se espreguiça. As plantas trocam suas folhas antigas por outras de um verde pleno de seiva. Os pássaros fazem revoadas, preparando a festa para a estação mais bonita do ano. Tudo conspira e se inspira num ritual de troca, de véspera, de esperança renovada.

Até as chuvas na Primavera caem com mais graça, como se a dança coreografada pelo vento fosse leve e rápida ao som de um prelúdio de Chopin.

Quisera eu contestar as mudanças e até, negá-las se possível. Porém, me rendo ao inevitável redemoinho que acontece por fora e por dentro da alma.


É na própria pele que sinto o prenúncio do que está por vir nos meses da ventosa estação. Sempre há algo inédito sendo trazido pelas mãos da Primavera. Principalmente, essa sensação de que algo de bom esta para acontecer. E haja pele, sentidos, energia. Haja coragem para deixar a carícia dos dias afagarem sonhos inconfessáveis, vontades disfarçadas. Haja audácia para aceitar o desafio de mudar de lugar, de transformar hábitos, de sair do casulo.

As borboletas deveriam ser imitadas. Deixam a segunda pele que as envolve e se desprendem das amarras para abrir as asas e colorir os ares, enfeitando a paisagem como dádiva despretensiosa. Despretensiosa a ponto de ser só beleza e se comprazer com o simples.

Se a brevidade do tempo que passa veloz arrebatar teus anseios e colocá-los para além do teu alcance visual, não desanima. Aproveita o instante atual e deixa que a Primavera te conduza.

Há muito deixei de usar a segunda pele. Preciso escrever sem ela. Tenho que despir-me de invólucros desnecessários e inúteis quando me entrego ao teclado do computador. Disse Carlos Drummond de Andrade que: “Escrever é triste. Impede a conjugação de tantos outros verbos. Os dedos sobre o teclado, as letras se reunindo com maior ou menor velocidade...”.

E eu, ousadamente, discordo. Escrever é alegre. Conjugo aqui mais verbos do que o imaginário permite. Mergulho em emoções várias. Sinto-me acompanhada por cada um dos que me lêem como se estivéssemos juntos partilhando sorrisos, olhares, opiniões. Como se apalpássemos o cotidiano em sua epiderme exposta, sem segunda pele alguma.

Segunda pele, além da sua utilidade em dias frios, fica relegada ao plano do desnecessário, quando o assunto é entrelaçar almas e abraçar a vida que se renova na Primavera.

Aliás, tudo é questão de pele, como dizem por aí. Prefiro vestir, pois, a minha própria pele e descarto a segunda, por via das dúvidas.

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