Abres
o jornal, lês, se algo te agrada em especial, recortas e guardas. Espaço te
falta para armazenar tanto papel. Mas
não é possível selecionar o que pode ser descartado. Porque cada um deles tem
um significado específico para ti.
Apesar de serem datados são atemporais.
Os recortes se encaixam simetricamente nos espaços da tua alma, montando um
cenário de várias paisagens, inúmeras cenas panorâmicas; todos sincronizados
com momentos já vividos e sentidos.
Muitos dos recortes te parecem ser de tua
própria autoria, tamanha a identificação com o que está registrado em frases
mescladas de palavras íntimas. Eu sei. Acontece comigo o mesmo.
Aproveita para guardar na tua caixa de
recortes, todas essas frases que fluem no teu pensamento. Tenta segurá-las,
convencê-las a ficarem exiladas como brinquedo guardado para depois numa
prateleira imóvel. Se conseguires, me avisa. Palavras gostam de escapar do
cativeiro.
Porém, não guarda teu sorriso amistoso
por trás do rosto. Exibe-o com ternura aos que convivem com o teu cotidiano.
Esbanja-te em alegria, mesmo que te faltem motivos. Nem retém teus abraços no limite de quatro
paredes porque a emoção precisa de frestas, de portas e janelas por onde possa
se espalhar. Abraços não entendem de lentas poupanças. Precisam de
investimentos a curto prazo.
Tuas mágoas, se as tens, expulsa uma a
uma num só golpe, num último e derradeiro pranto. Não as guardes. Elas corroem
tuas entranhas e te envenenam lentamente.
Evita, principalmente, o exagero nas
tuas preocupações. Solta as velas do teu barco à liberdade dos ventos. O amanhã
é um porto a alcançar e tuas inquietações não são de grande ajuda no deslizar
das águas. São, na verdade, uma grande perda de tempo. Tudo acontecerá para
além do alcance dos teus desassossegos.
Agradece cada minuto marcante no
relógio das tuas horas. Valoriza o que te é dado em abundância, como o ar que
respiras. E sejas pródiga nas tuas entregas. O melhor de tudo é não guardar só
para ti as bênçãos que recebes da vida.
Se insistirem em se fazer presentes
lembranças desagradáveis, abre a gaiola dos ressentimentos para que voem para
longe, muito longe todos os desencantos que te afligem. Espanta os fantasmas do passado para teres espaço
para sonhos novos.
Esquece todas as vezes em que bateste
com o nariz na porta de algum afeto. Por
mais difícil que seja aceitar a rejeição, libera-a dos teus acervos. Deixa-a
partir para o lugar que lhe pertence: o silencioso mundo do esquecimento.
Continua a escolher teus recortes entre
as folhas do jornal e reserva-os como vinho em barril de carvalho numa adega
onde só tu pisas.
E, se tiveres vontade, brinda a vida
liberta de todas as amarras que não merecem ser guardadas.
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