27 maio 2012

PARA NÃO GUARDAR


            Abres o jornal, lês, se algo te agrada em especial, recortas e guardas. Espaço te falta para armazenar tanto papel.  Mas não é possível selecionar o que pode ser descartado. Porque cada um deles tem um significado específico para ti. 
         Apesar de serem datados são atemporais. Os recortes se encaixam simetricamente nos espaços da tua alma, montando um cenário de várias paisagens, inúmeras cenas panorâmicas; todos sincronizados com momentos já vividos e sentidos.
         Muitos dos recortes te parecem ser de tua própria autoria, tamanha a identificação com o que está registrado em frases mescladas de palavras íntimas. Eu sei. Acontece comigo o mesmo.
         Aproveita para guardar na tua caixa de recortes, todas essas frases que fluem no teu pensamento. Tenta segurá-las, convencê-las a ficarem exiladas como brinquedo guardado para depois numa prateleira imóvel. Se conseguires, me avisa. Palavras gostam de escapar do cativeiro.

         Porém, não guarda teu sorriso amistoso por trás do rosto. Exibe-o com ternura aos que convivem com o teu cotidiano. Esbanja-te em alegria, mesmo que te faltem motivos.  Nem retém teus abraços no limite de quatro paredes porque a emoção precisa de frestas, de portas e janelas por onde possa se espalhar. Abraços não entendem de lentas poupanças. Precisam de investimentos a curto prazo.
         Tuas mágoas, se as tens, expulsa uma a uma num só golpe, num último e derradeiro pranto. Não as guardes. Elas corroem tuas entranhas e te envenenam lentamente.
         Evita, principalmente, o exagero nas tuas preocupações. Solta as velas do teu barco à liberdade dos ventos. O amanhã é um porto a alcançar e tuas inquietações não são de grande ajuda no deslizar das águas. São, na verdade, uma grande perda de tempo. Tudo acontecerá para além do alcance dos teus desassossegos.
         Agradece cada minuto marcante no relógio das tuas horas. Valoriza o que te é dado em abundância, como o ar que respiras. E sejas pródiga nas tuas entregas. O melhor de tudo é não guardar só para ti as bênçãos que recebes da vida.
         Se insistirem em se fazer presentes lembranças desagradáveis, abre a gaiola dos ressentimentos para que voem para longe, muito longe todos os desencantos que te afligem.  Espanta os fantasmas do passado para teres espaço para sonhos novos.
         Esquece todas as vezes em que bateste com o nariz na porta de algum afeto.  Por mais difícil que seja aceitar a rejeição, libera-a dos teus acervos. Deixa-a partir para o lugar que lhe pertence: o silencioso mundo do esquecimento.
         Continua a escolher teus recortes entre as folhas do jornal e reserva-os como vinho em barril de carvalho numa adega onde só tu pisas.
         E, se tiveres vontade, brinda a vida liberta de todas as amarras que não merecem ser guardadas. 
        
        

Nenhum comentário: