O texto estava pronto e acabado como
quando se constata que as palavras se harmonizaram com o pensamento e se tem à
frente dos olhos o produto final.
Respirei fundo e comecei a reler
para revisar o conteúdo, a gramática, ortografia e tudo o mais.
De repente, fez-se a escuridão. A eletricidade sumiu. Esvaiu-se a fonte de
energia e me deparei com o mais absoluto vazio.
E o pior de tudo. Eu não tinha salvado no computador nenhuma linha.
A primeira reação foi de perda, seguida
de uma sensação de desânimo. Também pudera!
Como eu poderia prever que um curto-circuito na rede de fios fosse
acontecer exato naquele momento?
Enquanto a luz permanecia ausente,
comecei a pensar no curto-circuito propriamente dito e nas suas conseqüências
na vida de cada um. Daí, foi um passo
para a seqüência de idéias.
Associei o curto-circuito
devastador, que provocou a interrupção do meu trabalho, com os curtos-circuitos
nas comunicações entre os seres humanos.
E foram surgindo constatações de
verdadeiros curtos-circuitos nas mais variadas situações que me vieram à mente.
Pensei nas relações de pais e
filhos, nas relações de amigos, nas relações de amor e dei vaza as observações
que fui coletando ao longo da vida.
A passagem de corrente elétrica acima
do normal ou a queda de voltagem causam danos no circuito de eletricidade. Quando a energia passa dos limites ou se
encolhe, nas relações humanas, interrompe o fluxo natural.
Permanece através dos tempos, o enigma,
o mistério. Como saber evitar o curto-circuito num afeto? Qual a exata medida
de ser oportuno, adequado e correto? Como administrar sentimentos se o que os
define é a espontaneidade?
Corrigir um filho sem correr o risco de
ser mal interpretado é impossível. Entender a atitude firme de um pai é
difícil. Educar, na melhor das hipóteses, é missão árdua e por mais que se
estude e tente aprender a lidar com as situações que se sucedem, nem sempre se
escapa de uma sobrecarga de cobranças, de exigências e de um consequente
curto-circuito entre pais e filhos.
O que dizer, então, das amizades que se
vai adquirindo ao longo da vida e que se deseja que passem incólumes aos
efeitos das distâncias, em que se perde o contato visual e onde se avolumam
conversas interrompidas e empacotadas para um “qualquer dia a gente se
encontra, qualquer dia a gente se vê”. Esse “qualquer dia” é a evidência do
curto-circuito.
No terreno das relações de amor o
curto-circuito é mais comum. Diga-se de passagem, que é um terreno minado.
Qualquer descuido provoca uma explosão. Palavras e gestos têm que conviver na
mais plena harmonia e coerência como se fossemos deuses irrepreensíveis ao
invés de falíveis mortais. Um passo em falso, uma atitude impensada, uma
escolha inadequada, uma palavra mal dita e o caos se estabelece. “O cravo brigou com a rosa debaixo de uma
sacada. O cravo saiu ferido e a rosa despetalada.”.
E nessa fragilidade à flor da pele
reside o que mais nos define, o que nos atormenta, nos assusta e amedronta. O
curto-circuito que interrompe a luz e nos deixa no escuro do desamor.
PS: A energia elétrica retornou ao
normal. A casa se iluminou e o programa inserido no computador “salvou
automaticamente” o meu texto.
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