24 junho 2012

CURTO-CIRCUITO




          O texto estava pronto e acabado como quando se constata que as palavras se harmonizaram com o pensamento e se tem à frente dos olhos o produto final.
           Respirei fundo e comecei a reler para revisar o conteúdo, a gramática, ortografia e tudo o mais.
           De repente, fez-se a escuridão.  A eletricidade sumiu. Esvaiu-se a fonte de energia e me deparei com o mais absoluto vazio.  E o pior de tudo. Eu não tinha salvado no computador nenhuma linha.
           A primeira reação foi de perda, seguida de uma sensação de desânimo. Também pudera!  Como eu poderia prever que um curto-circuito na rede de fios fosse acontecer exato naquele momento?
           Enquanto a luz permanecia ausente, comecei a pensar no curto-circuito propriamente dito e nas suas conseqüências na vida de cada um.  Daí, foi um passo para a seqüência de idéias.
           Associei o curto-circuito devastador, que provocou a interrupção do meu trabalho, com os curtos-circuitos nas comunicações entre os seres humanos.
           E foram surgindo constatações de verdadeiros curtos-circuitos nas mais variadas situações que me vieram à mente.

           Pensei nas relações de pais e filhos, nas relações de amigos, nas relações de amor e dei vaza as observações que fui coletando ao longo da vida.
         A passagem de corrente elétrica acima do normal ou a queda de voltagem causam danos no circuito de eletricidade.  Quando a energia passa dos limites ou se encolhe, nas relações humanas, interrompe o fluxo natural.
         Permanece através dos tempos, o enigma, o mistério. Como saber evitar o curto-circuito num afeto? Qual a exata medida de ser oportuno, adequado e correto? Como administrar sentimentos se o que os define é a espontaneidade?
         Corrigir um filho sem correr o risco de ser mal interpretado é impossível. Entender a atitude firme de um pai é difícil. Educar, na melhor das hipóteses, é missão árdua e por mais que se estude e tente aprender a lidar com as situações que se sucedem, nem sempre se escapa de uma sobrecarga de cobranças, de exigências e de um consequente curto-circuito entre pais e filhos.
         O que dizer, então, das amizades que se vai adquirindo ao longo da vida e que se deseja que passem incólumes aos efeitos das distâncias, em que se perde o contato visual e onde se avolumam conversas interrompidas e empacotadas para um “qualquer dia a gente se encontra, qualquer dia a gente se vê”. Esse “qualquer dia” é a evidência do curto-circuito.
         No terreno das relações de amor o curto-circuito é mais comum. Diga-se de passagem, que é um terreno minado. Qualquer descuido provoca uma explosão. Palavras e gestos têm que conviver na mais plena harmonia e coerência como se fossemos deuses irrepreensíveis ao invés de falíveis mortais. Um passo em falso, uma atitude impensada, uma escolha inadequada, uma palavra mal dita e o caos se estabelece. “O cravo brigou com a rosa debaixo de uma sacada. O cravo saiu ferido e a rosa despetalada.”.
         E nessa fragilidade à flor da pele reside o que mais nos define, o que nos atormenta, nos assusta e amedronta. O curto-circuito que interrompe a luz e nos deixa no escuro do desamor.
         PS: A energia elétrica retornou ao normal. A casa se iluminou e o programa inserido no computador “salvou automaticamente” o meu texto. 
        
        

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