30 setembro 2013

INFRINGENTES



        Seria ideal que toda e qualquer situação ficasse restrita aos seus limites peculiares, imune aos predadores e que o toque pessoal fosse sempre um toque de classe dentro do permissível.
       No entanto, é mais comum do que se espera, a ocorrência de invasões inconvenientes, minando e contaminando o que, supostamente, deveria acontecer em plena harmonia e coerência. Uma extensa lista de contravenções se estende e se alastra por entre as relações de convívio e são cometidas numa pueril displicência sem a medida das prováveis consequências.
       Acessos de infringentes sensações e de corruptas posturas abalam e violam momentos significativos do afeto que deixa, subitamente, de ser especial.
     As transgressões afetivas são, frequentemente, causadas por equivocados pontos de vista no desconhecimento da força da Lei da Gravidade.  Simples dedução que me ocorre, por constatar que muitos se iludem ao pressupor que o centro gravitacional do planeta Terra é seu próprio umbigo e que tudo mais gira ao seu redor como meros satélites na órbita da circunscrição em que vivem.

      Em todos os momentos em que ordenamos ao invés de solicitar, exigimos ao contrário de aceitar, cobramos em detrimento de oferecer, nos tornamos culpados por atitudes infringentes em relação aos nossos afetos.  
     São infringentes, também, no cotidiano generalizado, o ódio, o ressentimento, a cobiça, a inveja e todos os seus derivados e decorrentes.  Sentimentos que se instalam no mais oculto do nosso íntimo e que, muitas vezes, aparecem e se deixam perceber em rasgos momentâneos e involuntários, desrespeitando o conceito primordial da obediência ao correto, à conduta exigível.
    Sensações infringentes que, sem muita explicação, vão ocupando compartimentos vazios dentro do peito da gente.  Sensações indesejáveis e, às vezes, inconvenientes.  Infratores clandestinos esgueirando-se pelas nossas veias e correndo misturados ao nosso sangue, que atravessam o nosso surpreso coração como trovões que rasgam os céus em meio a tempestades.
  Se procurarmos denominá-los, catalogá-los, decifrá-los, esbarramos no silêncio hermético das coisas secretas.  É impossível definir sentimentos infringentes que roubam a nossa paz e se acham no direito de viajar pela nossa alma, completamente impunes de todo e qualquer ressarcimento.
    Lastimável saber que os danos causados são, de certo modo, irreparáveis.  Apesar de possuírem nome e número de identificação, os infringentes sentimentos se escondem em meio à multidão dos descompromissados com a legitimidade.
     E lá vamos nós, exaustos por lidar com os transgressores, enfrentar a tarefa inócua de julgar, sentenciar e condená-los, como se fosse possível extirpar os malefícios que nos causam.  Queremos encarcerá-los numa masmorra fora de alcance.
  No terreno do afeto, os gestos infringentes só se extirpam com a solução de continuidade.
    Como disse Mario Quintana: "Nada vibrou/ Não se ouviu nada/ Nada.../ Mas o cristal nunca mais deu o mesmo som/ Cala, amigo/ Cuidado, amiga/ Uma só palavra pode tudo perder para sempre"


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