Na
manhã silenciosa do domingo, quando o movimento se restringe a alguns poucos
carros e quase nenhum transeunte, aproveito o dia de sol escancarado para dar
uma caminhada.
O
trajeto escolhido é diferente do usual.
Quero levar meus olhos para apreciarem o contorno da praça principal com
seus prédios que contam histórias. Incluo nesse passeio o casario antigo e
majestoso das ruas centrais.
Tenho
a impressão que a cidade está vazia e sou uma solitária figura a percorrer
calçadas como se fossem ante-salas de um imenso palácio com longos
corredores. Ouço o som dos meus passos
nitidamente e imagino um tempo com outros sons. Os ruídos de antigamente quando
esses solares eram “novinhos em folha”.
Incrível a sensação que me invade. Saudade.
Saudade de uma época que não vivi, mas que conheço pela imagem que esses
sóbrios casarões imprimem na retina da alma. E, de certa maneira, nessa
caminhada, executo a prática de restaurar o meu patrimônio interior.
Descerro
os véus do tempo e revejo muitas casas restauradas, pintadas com cores
harmoniosas, janelas e portas enfileiradas como um cortejo a minha passagem.
Elas parecem respirar como se tivessem poros em suas paredes.
E
um poema surge, lentamente, para acompanhar meus passos:
A
casa antiga fechada/ tem vida/ de muitas vidas/ como se fosse/ uma arca/ onde
guardados ficaram/ todos os sonhos das almas/ que por elas já passaram./ A casa
antiga calada/ carrega todo o segredo/ do tempo que já se foi./ A casa antiga
fiel/ conserva paredes eretas/ com muitos nomes gravados/ de tudo que ali foi
vivido.
Outros
tantos casarões estão em preparativos para serem recuperados e ansiosos
aguardam suas novas roupagens. Seus músculos, ossos, veias e artérias serão
recompostos com esmero para resguardar o passado e preservar o futuro.
E
a visão de todo esse entorno traz uma satisfação interna que externo num
sorriso. Sinto orgulho dos que se
empenharam para que essa façanha acontecesse: a recuperação dos prédios
históricos de Pelotas. A cidade que
escolhi para viver e que aprendi a amar.
Imagino
o esforço, a tenacidade, a competência e o extraordinário empenho de cada um
dos envolvidos nessa tarefa. Parabenizo
a todos.
Preservar o patrimônio histórico é restaurar a
cultura e projetá-la para o futuro.
Depois de muito andar, retorno à praça
e, numa reverência, abrigo o meu cansaço debaixo de um velho jacarandá,
sorvendo uma brisa suave que percorre o contorno das alamedas. O sol projeta seus raios sobre as esculturas
do chafariz e um brilho distinto reflete a beleza.
Ofuscado, meu olhar se volta para o precioso
teatro, que está sendo restaurado e, num toque de mágica, seu contorno na
calçada afivela minhas emoções e conduz minha imaginação através de suas
portas. E consigo ouvir aplausos
vibrantes a ecoar pelas inúmeras plateias que sorveram a arte que, no seu palco,
deixou vestígios no melhor de todas as memórias.
Fotografo
na alma esse instante e tenho a nítida certeza de que não estive tão sozinha
quanto pensei. A história me acompanhou.
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