06 outubro 2013

RESTAURAÇÃO


     Na manhã silenciosa do domingo, quando o movimento se restringe a alguns poucos carros e quase nenhum transeunte, aproveito o dia de sol escancarado para dar uma caminhada.
        O trajeto escolhido é diferente do usual.  Quero levar meus olhos para apreciarem o contorno da praça principal com seus prédios que contam histórias. Incluo nesse passeio o casario antigo e majestoso das ruas centrais.
         Tenho a impressão que a cidade está vazia e sou uma solitária figura a percorrer calçadas como se fossem ante-salas de um imenso palácio com longos corredores.  Ouço o som dos meus passos nitidamente e imagino um tempo com outros sons. Os ruídos de antigamente quando esses solares eram “novinhos em folha”.
         Incrível a sensação que me invade.  Saudade.  Saudade de uma época que não vivi, mas que conheço pela imagem que esses sóbrios casarões imprimem na retina da alma. E, de certa maneira, nessa caminhada, executo a prática de restaurar o meu patrimônio interior.
         Descerro os véus do tempo e revejo muitas casas restauradas, pintadas com cores harmoniosas, janelas e portas enfileiradas como um cortejo a minha passagem. Elas parecem respirar como se tivessem poros em suas paredes. 
         E um poema surge, lentamente, para acompanhar meus passos:
        A casa antiga fechada/ tem vida/ de muitas vidas/ como se fosse/ uma arca/ onde guardados ficaram/ todos os sonhos das almas/ que por elas já passaram./ A casa antiga calada/ carrega todo o segredo/ do tempo que já se foi./ A casa antiga fiel/ conserva paredes eretas/ com muitos nomes gravados/ de tudo que ali foi vivido.
         Outros tantos casarões estão em preparativos para serem recuperados e ansiosos aguardam suas novas roupagens. Seus músculos, ossos, veias e artérias serão recompostos com esmero para resguardar o passado e preservar o futuro.
        E a visão de todo esse entorno traz uma satisfação interna que externo num sorriso.  Sinto orgulho dos que se empenharam para que essa façanha acontecesse: a recuperação dos prédios históricos de Pelotas.  A cidade que escolhi para viver e que aprendi a amar.
         Imagino o esforço, a tenacidade, a competência e o extraordinário empenho de cada um dos envolvidos nessa tarefa.  Parabenizo a todos.
         Preservar o patrimônio histórico é restaurar a cultura e projetá-la para o futuro.
         Depois de muito andar, retorno à praça e, numa reverência, abrigo o meu cansaço debaixo de um velho jacarandá, sorvendo uma brisa suave que percorre o contorno das alamedas.  O sol projeta seus raios sobre as esculturas do chafariz e um brilho distinto reflete a beleza.
         Ofuscado, meu olhar se volta para o precioso teatro, que está sendo restaurado e, num toque de mágica, seu contorno na calçada afivela minhas emoções e conduz minha imaginação através de suas portas.  E consigo ouvir aplausos vibrantes a ecoar pelas inúmeras plateias que sorveram a arte que, no seu palco, deixou vestígios no melhor de todas as memórias.
         Fotografo na alma esse instante e tenho a nítida certeza de que não estive tão sozinha quanto pensei.  A história me acompanhou.


Maria Alice Estrella

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