Enquanto caminhava em
direção ao meu local de trabalho ouvi uma frase que ficou solta no ar. Dizia
alguém com muita ênfase: -A melhor coisa da vida...e, com meu passo apressado
não consegui ouvir o resto. O que seria para ele a melhor coisa da vida?
Caminhei elaborando muitas respostas. Minha mente fora
acionada por uma afirmação entrecortada que despertou minha curiosidade, mas
não a saciou.
Provocada que fui, comecei a pensar no desfecho que eu teria
dado a respeito do que seria a melhor coisa da vida para a pessoa entusiasmada
que iniciou a frase, cujo final deixei de escutar porque não atrasei o passo.
Como saber o subjetivo de cada um no seu universo íntimo e
peculiar? De que forma decifrar o intrincado labirinto dos pensamentos alheios?
Desisti de imaginar a continuação da frase.
Por minha completa culpa, quantas e tantas vezes, por precipitação,
deixei de escutar. E foi nesse detalhe que me prendi. O detalhe de não ouvir.
Entre gritos e gemidos palavras são mencionadas, mas só se
escuta o volume ou as interjeições.
Deixo de ouvir o canto dos pássaros nas manhãs porque o
burburinho dos meus pensamentos e preocupações abafa o som do belo.
Atropelo declarações de afeto porque o medo de me emocionar
às lágrimas me faz esbarrar numa parede que eu mesma construo para me proteger
sei lá do que.
Tento adivinhar vontades antes que se formulem pedidos e me
precipito desencanto abaixo pelas ladeiras escorregadias do outro.
Ouvir silêncios então, nem se fala. Que difíceis são os
complicados silêncios que navegam como naus à deriva nesse cotidiano em que me
insiro.
O que nos é dito nem sempre é o que ouvimos e nem o que
dizemos é escutado.
Existe uma linguagem sublinear embutida em forma de palavras
soltas, dúbias, reticentes.
A linguagem inaudível utiliza máscaras e disfarces que,
muitas vezes, não possibilita a tradução em vogais e consoantes do idioma
vernáculo. Precisa-se de um tradutor de sorrisos e de lágrimas, que falam uma
língua peculiar e múltipla, rica em sinônimos e adjetivos, verbalizando emoções
que escapam a nossa capacidade de ouvir e entender.
O silêncio num templo para meditar, o silêncio ao admirar o
amanhecer, o silêncio para mergulhar o olhar na noite coberta de estrelas, são
silêncios que me encantam porque conversam comigo em diálogos plenos de ternura
e de cumplicidade.
Mas os silêncios reticentes que me forçam a interpretação,
confesso que me levam as raias da impaciência.
Tais silêncios voam na atmosfera como aves andarilhas e
cheias de segredos impenetráveis. Misterioso é o reino do silêncio. Vago e
etéreo. Impalpável.
E assim sendo, me
rendo, sob protesto, ao inevitável uso da percepção sensitiva, da elucubração
de conjecturas, da perspicácia falível para tentar ouvir silenciosas frases que
me são ditas nas caminhadas do dia a dia.
Aprecio sobremaneira o que me é dito em alto e bom som com
todas as sílabas e pontuações. Detesto
reticências. Não sei ouvi-las.
Nenhum comentário:
Postar um comentário