O cronista é um tipo de filósofo do
cotidiano, que tenta descobrir respostas para as questões corriqueiras da vida,
nesse ato contínuo e constante de relatar o simples. As indagações são geradas no pensamento e
nascem sob todas as formas. Perguntas sobre a essência das coisas, dos
sentimentos, das experiências, das situações que surgem “a torto e a direito”,
provocam e instigam o escritor. E o
escritor é, também, um leitor. Tem o hábito de ler, nas entrelinhas da
sensibilidade, ao que a realidade retrata em tudo e todos que o rodeiam e
inclusive em si próprio.
Num desprendimento natural as
palavras se desapegam das idéias e se acomodam na grafia. Daí, se plasmam na
tela do computador na medida em que são dedilhadas.
E a questão surgida, pensada e
esmiuçada, nesse domingo, é exatamente essa: o desprendimento. Mas o desprendimento praticado de um jeito
invisível, sem que se perceba ou se possa ler.
É o desprendimento exercitado inconscientemente. O desatar dos nós, o soltar as amarras,
quando o melhor a fazer é se desapegar, mesmo que seja o oposto do que se quer.
Atitude extremamente difícil de ser
exercitada. E, no entanto, é mais
costumeira do que se imagina. Dizem,
até, que devemos treinar o desapego como maneira de aprimoramento
interior. Prática que pode levar à
perfeição, embora, particularmente, eu prefira ser a mais imperfeita das
criaturas no que se refere ao assunto.
Por quê? Porque dói.
Dói muito. Dói por dentro e por fora.
Dói na pele e dói na alma.
Despojar-se de uma companhia, despedir-se de um afeto, privar-se de um
prazer, sacrificar-se por alguém, renunciar a um bem, sair de cena, desvincular-se
de uma relação.
Desprendimento é entrega plena,
virtude de seres raros. Alguns propagam
em alto e bom tom que são desprendidos. Os que calam é que realmente o são.
Desnecessário apregoar a virtude que, ao menor sinal de perigo, desaparece por
completo.
Tenho uma pontinha de inveja dos
privilegiados que conseguem se desvincular de si mesmos e ultrapassar os
limites do despojamento. Claro que, principalmente, faço referência às entregas
intangíveis, ao que é impalpável, apesar de saber do quanto é custoso, para
alguns, se desprenderem de objetos.
Desprender-se é abrir a mão e soltar
o apoio, é confiar no salto no espaço, é entregar-se sem cobrança, sem querer
coisa alguma em troca.
Difícil ! Muito difícil
no que tange a fragilidade humana tão vulnerável a perdas.
Descolar da alma pequenas partículas
ao longo da existência, ao contrário do que possa parecer, revigora e faz
crescer os sentimentos e as emoções. E é
por esse caminho que passamos no cotidiano, também. Sempre há uma renúncia, um deixar de lado,
uma irreversível entrega.
Em cada despedida, se desprende um pouco do
que somos e, espantosamente, nos multiplicamos em toda a poda que corta nossos
abraços-ramos. E é árduo de realizar esse desmembramento, esse desapego.
Penso no exemplo do dia de hoje, que
abandonou sua luminosidade, cedendo espaço para enovelar-se com sombrias nuvens
num completo desprendimento, entregando-se, generosamente, para a escuridão.
Simples desapego.
Um comentário:
Que o Natal seja mais um momento em que todas as pessoas acreditem que vale a pena viver um Ano Novo. Boas festas, abraços de muita luz e paz! :)
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