07 outubro 2012

DESAPEGO



O cronista é um tipo de filósofo do cotidiano, que tenta descobrir respostas para as questões corriqueiras da vida, nesse ato contínuo e constante de relatar o simples.  As indagações são geradas no pensamento e nascem sob todas as formas. Perguntas sobre a essência das coisas, dos sentimentos, das experiências, das situações que surgem “a torto e a direito”, provocam e instigam o escritor.  E o escritor é, também, um leitor. Tem o hábito de ler, nas entrelinhas da sensibilidade, ao que a realidade retrata em tudo e todos que o rodeiam e inclusive em si próprio.
          Num desprendimento natural as palavras se desapegam das idéias e se acomodam na grafia. Daí, se plasmam na tela do computador na medida em que são dedilhadas.
          E a questão surgida, pensada e esmiuçada, nesse domingo, é exatamente essa: o desprendimento.  Mas o desprendimento praticado de um jeito invisível, sem que se perceba ou se possa ler.  É o desprendimento exercitado inconscientemente.  O desatar dos nós, o soltar as amarras, quando o melhor a fazer é se desapegar, mesmo que seja o oposto do que se quer.

           Atitude extremamente difícil de ser exercitada.  E, no entanto, é mais costumeira do que se imagina.  Dizem, até, que devemos treinar o desapego como maneira de aprimoramento interior.  Prática que pode levar à perfeição, embora, particularmente, eu prefira ser a mais imperfeita das criaturas no que se refere ao assunto.
           Por quê?  Porque dói.  Dói muito. Dói por dentro e por fora.  Dói na pele e dói na alma.  Despojar-se de uma companhia, despedir-se de um afeto, privar-se de um prazer, sacrificar-se por alguém, renunciar a um bem, sair de cena, desvincular-se de uma relação.
           Desprendimento é entrega plena, virtude de seres raros.  Alguns propagam em alto e bom tom que são desprendidos. Os que calam é que realmente o são. Desnecessário apregoar a virtude que, ao menor sinal de perigo, desaparece por completo.
Tenho uma pontinha de inveja dos privilegiados que conseguem se desvincular de si mesmos e ultrapassar os limites do despojamento. Claro que, principalmente, faço referência às entregas intangíveis, ao que é impalpável, apesar de saber do quanto é custoso, para alguns, se desprenderem de objetos.
           Desprender-se é abrir a mão e soltar o apoio, é confiar no salto no espaço, é entregar-se sem cobrança, sem querer coisa alguma em troca. Difícil!  Muito difícil no que tange a fragilidade humana tão vulnerável a perdas.
           Descolar da alma pequenas partículas ao longo da existência, ao contrário do que possa parecer, revigora e faz crescer os sentimentos e as emoções.  E é por esse caminho que passamos no cotidiano, também.  Sempre há uma renúncia, um deixar de lado, uma irreversível entrega.
           Em cada despedida, se desprende um pouco do que somos e, espantosamente, nos multiplicamos em toda a poda que corta nossos abraços-ramos. E é árduo de realizar esse desmembramento, esse desapego.  
           Penso no exemplo do dia de hoje, que abandonou sua luminosidade, cedendo espaço para enovelar-se com sombrias nuvens num completo desprendimento, entregando-se, generosamente, para a escuridão. Simples desapego.
             
                        
           

Um comentário:

Dulce Miller disse...

Que o Natal seja mais um momento em que todas as pessoas acreditem que vale a pena viver um Ano Novo. Boas festas, abraços de muita luz e paz! :)