TURBULÊNCIAS
Maria
Alice Estrella
Mudaram os tempos e com eles se transformou também a maneira
de comunicar acontecimentos.
Houve época em que nas aeronaves de passageiros se ouvia o
aviso dado por um dos tripulantes de voo de que os cintos de segurança
precisavam ser afivelados porque o avião sofreria alguma turbulência.
Cerca de 40 anos atrás era comum que as tais turbulências
ocorressem de forma inquietante e até assustadora para alguns. O avião parecia uma cristaleira sacudida
por ventos e caindo em vácuos que pareciam não ter fim.
Quem passou por esse tipo de experiência nunca mais
esqueceu, com certeza. Particularmente, lembro de grandes sustos mesmo tendo
sempre ouvido de meu pai tripulante aeronáutico que “turbulências não derrubam
aviões. ”
Nos dias atuais, se ouve o aviso de atar cintos “porque
passaremos por uma zona de instabilidade. ”
Agora turbulência passou a ser instabilidade como se pudesse
ser trocado o medo e a sensação de insegurança por algo diferente.
Instabilidade ou turbulência causam idêntica sensação. A sensação de que ficamos soltos no ar,
apesar de estarmos atados na poltrona, enquanto uma verdadeira orquestra de
ruídos estranhos açoita a fuselagem da aeronave é a mesma sensação que vivemos
desde março de 2020.
A turbulência está generalizada dentro e fora de cada
um. A gente tenta colocar os pés no chão,
mas está muito difícil manter o equilíbrio.
Mais de um ano se passou e parece que o grão de areia da
ampulheta das horas ficou trancado no êmbolo, estrangulando o tempo.
Angustiantes dias sentados na sala de espera em busca do milagre da imunidade.
Tudo virado do avesso, mostrando o lado frágil de
todos. E de certa forma ao expor nossos
medos vestimos roupagens de coragem e atamos os cintos para atravessar a zona
de turbulência, que dá a impressão de não ter fim.
A ordem que vem de dentro do peito é a de que eu siga
acreditando que tudo vai melhorar, na instabilidade do espaço entre um passo e
outro, porque a esperança é o que me faz guerreira valente nessa luta
conturbada e desigual.
E a luz através da vidraça invade meus olhos e corre solta pelas
minhas veias, perpetuando o que as turbulências não afetam nas paisagens que
ainda esperam por mim.
E o meu poeta querido traduziu, sem saber, o que sinto aqui
e agora, sempre: “Às vezes tudo se ilumina de uma intensa irrealidade. / E é
como se agora este pobre, este único, este efêmero instante do mundo/ Estivesse
pintado numa tela, / Sempre. “ (Mario Quintana)